quarta-feira, 12 de setembro de 2007

FOLHA DE LONDRINA - REPORTAGEM DE 1984 SOBRE O COMBATE DE OUTUBRO DE 1930 EM QUATIGUÁ

Este texto que torno disponível agora, foi publicado em 1984 pelo Jornal Folha de Londrina, nos mesmos dias em que a TV Coroados divulgou uma reportagem feita aqui sobre o mesmo tema. Se não me falha a memória, a Folha publicou na sexta-feira e a Tv Coroados em um Jornal Estadual Especial de Sábado, ou seja no dia seguinte. Ambos os documentos são tratados como verdadeiras relíquias por quem os possui e foram por muito tempo os únicos testemunhos materializados, a única produção além da tradição oral sobre os Combates de 1930 em Quatiguá. Consegui as cópias que possuo dos jornais, há também outra reportagem de 1991, com o Panga (Adailton Ribas Lopes) que é também um interessado e preocupado com a preservação da memória não somente da Revolução de 1930 em Quatiguá, mas do restante da memória e história da cidade. Um dia deveriamos pegar todas as fitas de vídeo que ele possui, são muitas e de diversas épocas e eventos do município, e passar para DVD, prestariamos um grande serviço a nossa história. Aproveitem o texto:


REPORTAGEM FOLHA DE LONDRINA

Caderno 2 – Sexta-feira, 06/04/84 pág. 24

PAULISTAS E GAÚCHOS LUTARAM EM QUATIGUÁ

“A política do café com leite”, que impunha o revezamento de paulistas e gaúchos na presidência da República, foi definitivamente rompida pela Revolução de 30, que abriu espaço para o Rio Grande do Sul, diminuindo a influência da oligarquia cafeeira, que, incólume, desfrutava do poder. Neste contexto, uma revolução de fato passou pelo pequena Quatiguá, no Norte Pioneiro, tendo ali ocorrido luta armada entre gaúchos e paulistas, cujos mortos, indistintamente, a comunidade glorifica num monumento em praça publica.

O choque armado, sequer é mencionado no resumido histórico do município (população de 5.315 dos quais 3.990 eleitores) antigos moradores contam que “a coisa foi feia” e a população fugiu para as matas próximas ao patrimônio, deixando as casas comerciais à mercê dos revoltosos (gaúchos), que “requisitaram” até uma boiada de Pedro Gonçalves Lopes, a quem obrigaram a usar um lenço vermelho e dar vivas a Getúlio Vargas. Para deter as tropas gaúchas, em superioridade, o prefeito de Joaquim Távora e um líder dos paulistas mandaram arrancar trilhos nos diversos pontos do ramal ferroviário entre Quatiguá e a divisa com São Paulo.

“A REVOLUÇÃO FOI SÓ MEDO”
Aos 8l anos de idade e muito conhecido por Jorge Luna, uma das testemunhas oculares da refrega é Jorge Barbosa Lima, que chegou à “praça”(ele não diz “cidade”) em 13 de junho de 1928 e dela não se retirou quando chegaram as tropas gaúchas em 1930. Mesmo tendo consciência de mortos e feridos. (...) Os paulistas, “defendendo o Sr. Washington Luiz”, eram os “liberais” ou “legalistas” , as tropas gaúchas. Marchando com Getúlio Vargas, eram a dos “revoltosos”, que apontaram no morro sudeste de Quatiguá, procedentes da região de Ponta Grassa, “Era um batalhão do coronel Cavalcanti, mais ou menos uns quatrocentos homens, uma força mista de voluntários” – vai recordando Jorge Luna. Inferiorizados em número, “uma força de uns duzentos e poucos homens, bate-paus do doutor Ataliba Leonel e uma rapaziada que fazia o serviço militar em Iquitaúna, perto da capital”, os paulistas apareceram no lado oposto da cidade, a noroeste, procedentes de Piraju e Fartura.
Depoimentos de vários moradores antigos estabelecem o consenso de que os Gaúchos começaram a disparar o canhão de 75 ou 100 mm) do alto do morro, enquanto os paulistas assestavam metralhadoras sobre a cobertura da estação ferroviária. Os gaúchos avançaram gradativamente, até obrigarem os paulistas a baterem em retirada. Os gaúchos se deslocaram a cavalo, os paulistas em caminhões e – segundo alguns depoimentos – trem.
Segundo Jorge Luna, “os paulistas chegaram à estação, derrubaram postes e arrancaram o telegrafo. O telegrafista era o Raul Bittencourt, imparcial sem ser favorável a ninguém” mas para assustá-lo os paulistas dispararam contra duas locomotivas chamadas “Maria-fumaça”. (...) Houve muitos mortos e feridos de ambos os lados, que chegaram a entrar em choque num ponto hoje dentro do perímetro urbano. “Foi na Serraria do José Volpato e do João Lucas, duas casas inacabadas foram transformadas em hospitais de sangue” – recorda Jorge Luna.

O POVO CORREU PARA O MATO
A Revolução de 30 começou no dia 3 de outubro, calculando Jorge Luna que as tropas permaneceram cinco dias em Quatiguá e que os choques se verificaram entre os dias 11 e 13. Porém, a população começou a se retirar do patrimônio ao perceber a chegada dos gaúchos/ dos quatro ou cinco comerciantes, apenas dois permaneceram, José Simeão Rodrigues (avô do atual Secretário da Indústria e Comércio do Paraná, Francisco Simeão) e Silvio Zanini, “os demais se retiraram para os sítios e fazendas”.
Porém, aqueles que permaneceram em suas casas não foram molestados por qualquer das tropas, conquanto as “requisições” nas casas comerciais, principalmente as abandonadas, fossem feitas a grosso. Naquele tempo. Quatiguá (o nome do município é corruptela do “cuatingua”, um vegetal outrora abundante na região e que apenas um patrimônio dividido em duas zonas, uma conhecida por Barra Grande e outra por Chapada. O atual município de Joaquim Távora (a sede fica a oito quilômetros de Quatiguá) tinha o nome de Afonso Camargo (um dos presidentes do Paraná, relata Isidoro Mocelim, hoje com 72 anos de idade.
Contemporânea, Dna. Conceição Eliziaria Teixeira Godoy, de 77 anos, recorda o patrimônio, umas trintas casas, só quatro comerciais. Morava no sítio a quatro quilômetros, vizinho a Mocelin, “a linha férrea ficava entremeio às nossas propriedades”. Se recordam, ambos, de ter aparecido lá um oficial paulista avisando: “É preciso se retirar de vossas casas, vai haver combate por aqui.” Mocelim conta que “aí, tocamos um pouco de mudança sobre o caminhão e seguimos para a “bica”. Logo começou uma tempestade de tiros e nossa casa foi baleada”.
Também Conceição e a família batiam em retirada, rumando para um abrigo natural, debaixo de uma grande parede de pedra. Difícil era descer a encosta e Conceição ainda estava grávida de sete meses. Buscou apoio num arbusto, mas antes que levasse a mão, foi advertida pelo marido: “Não, Conceição, isso é “mamilo de porca”. Referia-se a um espinheiro cortante, que poderia dilacerar as mãos da esposa. Depois de vários dias, quando terminou a luta, , ela saiu do abrigo e olhou para o alto. E não pode imaginar coo havia descido. Afinal, temera até pela gravidez, “pensei que fosse perder, mas não perdi!”
Uma das filhas dela, Mary Elen Godoy, é hoje professora de Estudos sociais na Escola de primeiro grau Pedro Gonçalves Lopes. Uma das tarefas de seus alunos tem sido registrar a Revolução em Quatiguá, para o que entrevistam testemunhas.
SAQUES E “REQUISIÇÕES”
Nome da Escola, Pedro Gonçalves Lopes foi humilhado pelos revoltosos gaúchos, que “chegaram a fazer sepultura para enterrá-lo”, recorda o genro dele, José Horácio Bueno.
Pedro residia fora do patrimônio, no Alecrim, e teve 26 reses e vacas de leite “requisitadas” pelos gaúchos, que depois o prenderam sob acusação de ser legalista. Ele tivera a coragem de interpelar um certo capitão Busch: “Você é o velhaco que roubou meu gado?” Segundo José Horácio, ao que parece o capitão Busch era do Paraná e anteriormente e anteriormente se desentendera com Pedro Gonçalves. Integrando-se às tropas gaúchas, aproveitava para se desforrar, porém Pedro acabou sendo poupado pelo comandante, que não admitia “questões de vingança”.
Isidoro Mocelim diz ter tomado conhecimento que Pedro Gonçalves foi obrigado “a usar lenço vermelho da vivas a Getúlio”. Finalmente liberado, quando os gaúchos se dirigiram a Itararé, regressou a Quatiguá andando e s[o conseguiu um cavalo emprestado na casa de Mocelim.
Chegando ao patrimônio, ficou mais revoltado, ao constatar que “gente do lugar estava comendo o gado dele, que os gaúchos haviam deixado para trás...”
Aos 70 anos de idade, o ex-prefeito Antônio Rodrigues Filho recorda-se e ter ouvido disparos de canhões e de outras armas, a 2,5 quilômetros, que a família residia, numa área próxima ao Ribeirão Bonito, tinha 14 anos de idade e o terror de seu pai era de que os revolucionários pudessem incorporar os filhos, a família achou por bem se retirar para mais longe e na ausência houve saques não sabe ao certo se foram as tropas gaúchas ou oportunistas da situação. Quando findou a Revolução, apareceram enviados do novo Governo, pedindo a moradores que informassem sobre os bens perdidos durante a passagem das tropas. Tudo foi relacionado como “requisitados” para efeito de indenização que ficou apenas na promessa.

MONUMENTO AOS MORTOS

As testemunhas não sabem precisar o número de mortos e feridos no choque armado em Quatiguá. “Foram muitos, a maior parte levada embora pelas tropas”- afirmam.
Isidoro Mocelin diz ter presenciado o enterro em valas comuns e mortos em estado de decomposição, cinco cadáveres de cada vez. E de uma coisa ele tem certeza: sob o monumento na praça Eurides Nascimento encontram-se 6, dos quais cinco paulistas. O próprio Mocelin participou da trasladação, anos depois do choque, e foi um dos que tiveram a idéia da homenagem. O marco está no centro de uma área de 40 por 40 metros quadrados “doada pelo Lourenzon”.
Homenagem do povo de Quatiguá aos heróis tombados em 1930” – esta escrito na placa de bronze.
A REVOLUÇÃO NA ESCOLA
A Revolução de 30, segundo trechos da redações de alunos da professora Mary Elen Godoy, de Estudos Sociais, que ouviram testemunhas em agosto de 1982.
“Quando as tropas se aproximaram de Quatiguá”, o prefeito de Joaquim Távora, a época Miguel Dias, em acordo com Ataliba Leonel, político (...) domiciliado em Piraju, Estado de São Paulo, ambos da situação, acertaram de mandar policiais para enfrentar os gaúchos”. Consta que “o prefeito de Joaquim Távora mandou arrancar os trilhos” nas proximidades de Quatiguá, para deter os gaúchos. (Depoimento de Leonardo Rodrigues Vargas ao aluno Sérgio Roberto Alexandrino Rodrigues)
“Numa Segunda-feira, os gaúchos deram um tiro de canhão, a bala foi parar na Colônia Varsóvia – que era a colônia das polacas”. (Maria Cecheleiro a Eliane Maria Rodrigues).
“Quando acabou (...) os soldados haviam roubado bastante coisa, roupas, alimentação, panelas, etc. Os soldados haviam deixado roupas deles, mas meu bisavô queimou tudo, ele achava balas e jogava fora, ou no poço. Ele achou um pente com cinco balas, mas minha avó não sabe o que ele fez.”(Pesquisa da aluna Eliane Borges Disseró).
“Ele (o entrevistado) disse que a Revolução de 30 foi entre os paulistas e os gaúchos, disse que quando se encontraram aqui, foi um tiroteio tremendo” (Segundo depoimento de Reinaldo Mocelin ao aluno Lucélio Helder Cherubin).
“Quem contou (...) foi minha mãe. Ela disse que quando começou a Revolução, morava no sítio e as pessoas de Quatiguá iam ficar na casa dela. Quando começava o tiroteio, elas iam se esconder em uma grota. Os soldados roubaram muitos cavalos de meus avós”. Em outro trecho? “Um dia (...) viram um avião e como (...) ainda não conheciam, saíram todos correndo e foram se esconder em um cafezal”. (Solange).
“Num Sábado, o tenente veio avisar que o combate entre paulistas e gaúchos ia acontecer e Quatiguá ia ficar entre os dois”. (Ainda o depoimento de Maria Cecheleiro a Eliane Maria Rodrigues).
[Texto copiado integramente do Jornal Folha de Londrina 06 de Abril de 1984 - Sexta Feira - Caderno 2 – Sexta-feira, 06/04/84 pág. 24]

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