sexta-feira, 27 de maio de 2022

Soluções tecnológicas para a agricultura brasileira em tempos de Guerra

 Soluções tecnológicas para a agricultura brasileira em tempos de Guerra

Roberto Bondarik

bondarik@utfpr.edu.br

Professor Titular da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Cornélio Procópio

 

            Os problemas decorrentes de uma guerra acabam acelerando o desenvolvimento tecnológico e a aplicação das suas soluções, com inovações e sua difusão. Uma longa lista enumera esses produtos, processos e sistemas que até são comuns em nosso cotidiano, entre eles: forno de micro-ondas; produção em massa de antibióticos; computadores e internet; o café solúvel, difundido durante a Guerra Civil norte-americana; a margarina que substituiu a manteiga; o serviço de ambulâncias, surgido na Espanha em 1487, inspirando sistemas como o SAMU; etc. A recente guerra na Ucrânia, decorrente da sua invasão pela Rússia, fez aflorar a busca por soluções tecnológicas para os problemas que dela advém, inclusive para o Brasil.

            Aquela região do Leste Europeu fornece produtos importantes para o nosso País, em destaque os componentes para os fertilizantes utilizados pela agricultura (nitrogênio, fósforo e potássio), e o trigo essencial para o pão nosso de cada dia. Projetos para identificação e exploração das jazidas de potássio voltaram a ser discutidos, quanto aos outros dois componentes principais dos fertilizantes industriais, a solução está vindo dos tubos de ensaio, microscópios, das observações, dos insights e dedicação de pesquisadores brasileiros, em especial da Embrapa.

            Londrina possui um centro de pesquisas da Embrapa, dedicado ao estudo da soja, onde trabalha a Drª Mariângela Hungria, listada entre cem maiores pesquisadores do mundo conforme noticiado pela Folha de Londrina, em 07 de Maio de 2021,  e que publicou uma entrevista com ela. Mariângela Hungria desenvolveu um estudo com bactérias que auxiliam e aumentam a fixação de nitrogênio em plantas e no solo, resultando em um inoculante que utilizado promove a redução dos custos de produção. Esta solução já está sendo comercializada e passou a ser utilizada por inúmeros agricultores. A pesquisadora listou as dificuldades que encontrou para desenvolver o trabalho, desde o descaso até a falta de investimentos governamentais, essenciais, porque as pesquisas longas, não atraem o interesse da iniciativa privada.

A solução para o fósforo demorou vinte anos. Boa parte do fósforo não absorvida pelas plantas, permanecendo inerte no solo, um valor estimado em 2019, em cerca de 40 bilhões de dólares, algo como 200 bilhões de reais. Coube à Embrapa Milho e Sorgo desenvolver uma solução com base no uso de duas bactérias, uma que libera o fósforo do solo e outra que permite a sua absorção e utilização pelas plantas. O inoculante resultante do trabalho, que está sendo comercializado, após duas décadas, comprova a necessidade de investimentos governamentais em pesquisa na área. Se a produção agrícola é essencial para economia brasileira, os investimentos em pesquisa no setor deveriam ser considerados estratégicos e tratados como tal pelo governo e pela sociedade. Importar tecnologia pronta tem se mostrado mais cara e menos eficaz do que se imagina.

Por fim, a falta do trigo ucraniano fez despertar o interesse de produtores por variedades deste cereal adaptadas ao clima mais quente que o Sul do Brasil, área do seu maior cultivo. Novamente a Embrapa Trigo, do Rio Grande do Sul, desenvolveu cultivares de trigo para o cerrado brasileiro e que agora, em virtude da guerra, ganham relevância econômica, podendo o Brasil passar a produzir boa parte do que consome e substituir as importações hoje encarecidas.

Infelizmente a guerra pode mostrar o trabalho hercúleo que pesquisadores, sem verbas e recursos, desenvolveram com seus trabalhos. É muito gratificante termos no Norte do Paraná cientistas como Mariângela Hungria e centros como a Embrapa que demonstram a importância da ciência e da formação de cientistas para o desenvolvimento de nossa sociedade.

quinta-feira, 26 de maio de 2022

Invasão russa da Ucrânia, a Primeira Guerra Mundial Conectada

Texto a respeito da Guerra na Ucrânia, decorrente da invasão daquele país pela Federação Russa (Rússia), em especial as suas relações com Rede Mundial de Computadores (Internet).

O artigo foi publicado no jornal "Folha de Londrina" em em sua edição relativa aos dias 07 e 08 de Maio de 2022, a imagem da publicação está disponível ao final da página.

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Invasão russa da Ucrânia, a Primeira Guerra Mundial Conectada

Roberto Bondarik

bondarik@outlook.com

Professor Titular da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Cornélio Procópio

 

            Em 24 de fevereiro, quando a Rússia atacou a Ucrânia, iniciou-se o mais grave conflito bélico na Europa desde que a Alemanha nazista invadiu a Polônia em 1939, passando pelas guerras balcânicas da década de 1990. O conflito atual se apresenta como uma Guerra Mundial Conectada (Word War Wired), onde a luta é localizada mas o seu acompanhamento, repercussão e consequências tem sido mundiais.

A internet permite que se acompanhe em tempo real, ataques, enfrentamentos, fugas, situações de desespero e demais ações da guerra, um conteúdo produzido por combatentes ou moradores das áreas do conflito. Como um reflexo de nosso tempo de extrema interação nas mídias sociais, muita informação descontextualizada ou mentirosa, também tem sido distribuída e compartilhada.

            A guerra começou antes do avanço das tropas, quando os serviços públicos ucranianos, seus sistemas de comunicação, bancário, de energia etc., sofreram ataques cibernéticos que afetaram o seu funcionamento, tornando-os lentos ou desligando-os. O uso da Tecnologia da Informação não é novidade ali naquela região, hackers russos, sejam civis ou militares, foram acusados de intervenção em diversos momentos como a eleição de Donald Trump nos EUA, o plebiscito do Brexit, que resultou na retirada da Grã-Bretanha da União Europeia. Os ucranianos fornecem serviços paras Big Techs do Vale do Silício e pelo menos para cem, das quinhentas maiores empresas mundiais listadas pela revista Fortune. Estima-se em mais de duzentos mil os ucranianos, altamente qualificados, que trabalham no setor de T.I. internacional, um serviço que, aliás, deve estar sofrendo os efeitos da guerra.

            No início, o serviço de mapas do Google apontou, nas estradas ucranianas, onde ocorriam congestionamentos provocados pelos tanques e comboios russos, fornecendo importantes informações para aqueles que os precisassem evitar e para os outros que desejavam combatê-los. O uso dos diversos recursos dessa empresa devem de fato ter tido efeitos práticos nos combates porque, pressionada, ela chegou a anunciar que limitaria o seu na Ucrânia, a Rússia também ameaçou impedir o acesso ao Google em seu território acusando-o de permitir a divulgação de fatos e dados distorcidos sobre a sua atuação no conflito. Porém os mapas do Google atualizados e outras imagens obtidas por meio de satélites comerciais, permitiram que segredos militares russos, envolvendo a movimentação das suas tropas fossem revelados e utilizados pelos ucranianos.

            A guerra tem sido acompanhada e combatida literalmente na palma da mão, os smartphones são a mais prática conexão de uma pessoa com a internet. Os ucranianos têm feito uso do reconhecimento fácil dos soldados russos mortos ou capturados, o que lhes permite identificar quem são, acessar suas redes sociais, seus dados pessoais e, principalmente localizar suas mães para enviar-lhes imagens dos seus filhos e da sua situação. Divulgaram-se também vídeos curtos de mães russas lamentando a morte de seus filhos paraquedistas em combate. A veracidade daquilo que é mostrado nas redes como acontecimentos da guerra, tem sido demostrada ou desmentida pela ação de internautas que, como espiões mesmo que amadores, tem divulgado o resultado de suas descobertas, análises e conclusões por meio especialmente do Twitter. O acesso à internet nos locais onde a infraestrutura de comunicação foi destruída, teve uma ajuda substancial da empresa Star Link, de Elon Musk, que enviou equipamentos que permitem a conexão direta com sua rede de satélites.

Se a internet não consegue ainda acabar com a guerra, permite ao menos acompanhar seu desenrolar, construindo e descontruindo narrativas. Que a tecnologia permita reconstruir e manter uma convivência pacífica entre os povos e suas nações.






 

sábado, 21 de maio de 2022

Just in Time Global, a arrumação econômica da Covid-19

 Texto a respeito das consequências da Covid-19, em especial aquelas que afetam as cadeias de suprimento (componentes) para a indústria em diversos países.

O artigo foi publicado no jornal "Folha de Londrina" em 27 de Abril de 2022, a imagem da publicação está disponível ao final da página.

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Just in Time Global, a arrumação econômica da Covid-19

Roberto Bondarik

bondarik@utfpr.edu.br 

bondarik@outlook.com

Professor Titular da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Cornélio Procópio

 

            O sistema Toyota de produção, pensado por Taiichi Ohno, na década de 1950, a partir de observações nos supermercados norte-americanos, onde os clientes levavam consigo uma lista com os itens e quantidades que necessitavam comprar, particularidade que fez surgir na mente de Ohno o princípio do kanban, essência do just in time, em que a indústria solicitava a entrega de componentes aos seus fornecedores apenas quando eles seriam utilizados na produção, eliminando grandes estoques, capitais e mão de obra para a sua formação e manuseio. A difusão desta filosofia de produção contribuiu com a redução dos custos, com a produtividade, maior variedade de produtos, menores preços e maior consumo.

            O processo de globalização econômica, da década de 1990, expandiu as cadeias de fornecedores em escala mundial. As facilidades nos transportes aéreo e marítimo, rápido manuseio e desembaraço de cargas, tornaram o just in time planetário. Os baixos custos, as grandes escalas e volumes de produção constante melhoria na qualidade e na evolução tecnológica das suas fábricas, tornaram a China o fornecedor por excelência da indústria mundial. A dependência de componentes chineses cresceu exponencialmente neste século, com indústrias tradicionais se estabelecendo naquele país, baixando custos, ampliando a dependência dos mercados produtivo e consumidor mundial em relação ao que acontece com e na China. O just in time globalizou-se e passou a falar mandarim, mesmo se comunicando em inglês. A pandemia de Covid-19 colocou tudo isso em xeque.

            Não se sabe ao certo ainda que animal contaminou os primeiros doentes que desenvolveram a Covid-19, os primeiros casos foram confirmados em dezembro de 2020, em um mercado de alimentos em Wuhan, capital da província chinesa de Hubei, A cidade, com 11 milhões de habitantes, às margens do rio Yangtzé e do eixo ferroviário Pequim-Hong Kong, é um centro da indústria automotiva, com forte presença mundial, também é importante polo de pesquisa, desenvolvimento e fabricação de veículos elétricos. Colocada em lockdown em 23 de janeiro de 2020, teve bloqueio de rodovias, suspensão de trens e de voos. Em poucos dias outras cidades e províncias também foram fechadas, atingindo bem mais de 54 por cento do produto interno bruto da china. Portos foram fechados, fábricas paralisadas e o transporte bloqueado. Antes que a Covid-19 se espalhasse pelo mundo, o just in time globalizado foi vitimado com a com a falta de suprimentos e componentes para a produção industrial.

            O desenvolvimento de vacinas e sua aplicação na população mundial, fizeram os números de mortes e de casos graves reduzirem ao ponto de ensaiar-se uma retomada da produção industrial em escala global, inclusive na China que manteve uma política sanitária rígida. Novos problemas surgiram e prejudicaram o just in time global, faltaram contêineres e navios de carga solta foram usados, dificultando o rápido manuseio das cargas, atrasando cronogramas. Novos surtos recentes da doença na China levaram a novos lockdowns, principalmente em Xangai, isolando cidades e fábricas que, mesmo mantendo seus operários isolados, se viram sem motoristas de caminhão, operadores de carga em portos etc. A falta de componentes que provoca o fechamento de fábricas, mesmo no Brasil, até que ocorra uma normalidade no fornecimento ou que se encontrem, localmente novos fornecedores, uma tendencia forte.

            A pandemia de Covid-19, está provocando uma reordenação das cadeias produtivas mundiais, com reflexos na retomada da produção em nível nacional, com vantagens locais. Pode ser que emerja uma nova economia, que nos beneficie mais, com novos arranjos produtivos, desse caos e medo ao qual sobrevivemos após mais de dois anos.


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