OS CAMPOS DO SENHOR
Prof.Me. Roberto Bondarik
Espaço de divulgação de temas e ideias pertinentes à história, ciência, tecnologia, educação, conhecimento, informação, produção, inovação, pesquisa e desenvolvimento. Seu foco é o ser humano e a potencialização das suas capacidades ...
Conhecer as origens da indústria no Paraná é uma tarefa que passa necessariamente pela aquisição de melhores e mais pontuais informações sobre o inicio deste processo, que é chamado de industrialização. Deve-se procurar conhecer também as origens e começo desta atividade transformadora em solo brasileiro. Levando tudo isto em consideração, sendo assim registramos algumas informações norteadoras.
Iniciado na Grã-Bretanha, no século XVIII, o processo de industrialização caracteriza-se basicamente pela utilização de máquinas na atividade de produção de bens e serviços. Ocorre uma intensa substituição sistemática da força e da habilidade humana por máquinas ou engenhos mecânicos e também a divisão da produção. O processo de mecanização da produção deu inicio a um processo que foi denominado de Revolução Industrial e acabou possuindo, conforme destacado por Iannone (1995), diversas fases sucessivas de desenvolvimento e progresso que puderam ser identificadas e que sofrem variações conforme o enfoque que é empregado pelos diveros autores: a primeira destas fases ficou restrita a Grã-Bretanha, entre os anos de 1760 até 1850, fez-se uso intenso da energia a vapor, do ferro como princioal material e concentrou principlamente na indústria têxtil de algodão; a segunda fase por sua vez, estabelece-se entre os anos de 1850 e estende-se até o inicio do século XX, foi caracterizada pela difusão do processo de industrialização pela Europa, América do Norte e Ásia, caracteriza-se pela produção e utilização de aço em substituição ao ferro, produção e uso da eletricidade e do petróleo e seus derivados; a terceira fase, chamada de Terceira Revolução Industrial, ocorre em meados do século XX, apresenta-se pela intensificação e desenvolvimento da automação industrial, da informática, da robótica, da microeletrônica, da engenharia genética, e diversas outras inovações tecnologicas e métodos produtivos.
A indústria tornou-se o objeto de desejo e o paradigma ideal de desenvolvimento econômico de diversas populações, empresários e governantes. Isto pode ser evidenciado no Brasil contemporâneo, em que industrialização passou a ser sinônimo de emprego.
Em referência a industrialização brasileira, este processo teve inicio de forma sistematica, com as ações de Irineu Evangelista de Sousa, Barão e depois Visconde de Mauá, conforme exposto por Caldeira (1995). Mauá instalou o “Estaleiro de Ponta da Areia”, adquirido por ele em 11 de Agosto de 1846 e transformado na primeira industria moderna brasileira, construiu também a primeira ferrovia brasileira ligando o Rio de Janeiro até Petrópolis, estendeu o primeiro cabo submarino ligando o Brasil à Europa, entre tantas outras realizações. Ponta da Areia foi um marco na industrialização do Brasil, não somente construindo navios, mas colaborando coma mecanização da produção brasileira em diversos setores:
“(...) Não demorou muito para que dali começasse a sair algumas inovações que seu dono julgava adequadas ao mercado brasileiro: engenhos de açúcar completos movidos a vapor, bem mais produtivos que os toscos mecanismos tocados por bois e rodas d’água em uso no país; pontes de ferro que podiam ser montadas em pouco tempo mesmo nos rios mais largos; canhões de bronze para os navios de guerra; navios a vapor completos; fornos siderúrgicos e bombas de sucção (...) a Ponta da Areia provava o valor da iniciativa individual como caminho para o desenvolvimento.” (CALDEIRA, 1995, p.191-192)
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CALDEIRA, Jorge. Mauá, Empresário do Império, São Paulo, Companhia das Letras, 1ª edição, 1995;
COSTA, Samuel Guimarães da. A Erva-Mate. Curitiba: Farol do Saber, 1995;
IANNONE, Roberto Antonio. Revolução Industrial, São Paulo: Editora Moderna, 7ª ediçào, 1995;
Você olha para o mundo de hoje e vê: montes de desempregados sem perspectiva de trabalho; crianças sem escola nem lugar para dormir, descartadas do mundo. Milhões sem acesso à mínima educação, menos ainda à arte e à cultura. Fome de um lado, superabundância do outro. Guerras em nome de interesses privadíssimos.
Dispondo de indignação moral, mesmo que de pouca, qualquer um tem vontade de fazer alguma coisa, nem que seja apenas sonhar com um mundo menos injusto. Por exemplo: uma sociedade de pleno emprego, em que não haja as vergonhosas filas nas madrugadas à procura de uma empreguinho humilhante. Escola e saúde para todo mundo, crianças bem tratadas, com sala de aula, roupa, atenção. Ninguém com fome e ninguém com riqueza acumulada para ostentação. Progresso tecnológico, desenvolvimento artístico, alfabetização para todos.
Todos nós brasileiros já ouvimos falar no colégio que essa utopia igualitária já existiu. Floresceu por décadas, antes de ser destruída em uma guerra pra lá de violenta, bárbara. Foi a realização dessa utopia, conhecida genericamente como Missões, que levou o historiador Décio Freitas a um de seus mais conhecidos livros, publicado pela primeira vez em 1982, quando a miséria brasileira nem era tão explícita quanto agora, quando mal saíamos da ditadura militar e buscávamos alternativas de futuro, quando fazia o maior sentido retomar experiências luminosas do passado para confrontar a obscuridade do presente.
Com o nome de O Socialismo Missioneiro, o livro fazia uma descrição engajada (nunca neutra) do passado das Missões. Eram os anos finais do regime militar instalado em 1964, dois antes da campanha por eleições diretas para presidente, eleição que só se realizaria muito depois, em 1989, e sete anos antes da queda do muro de Berlim, o fim simbólico da experiência comunista, que na época se chamava de “socialismo real”, em oposição ao socialismo teórico. Por mais estranho que isso possa parecer hoje, em
O livro de Décio entrava nessa disputa conceitual, mas a partir de uma experiência remotíssima – a ainda hoje impressionante – de organização social, econômica, política e cultural protagonizada por índios guaranis e por padres jesuítas, entre os anos 1610 e 1750, no sul do Brasil. Uma parceria que dera certo, segundo Décio, porque os índios encontraram nas Missões uma estrutura viável para sua sobrevivência, ao passo que os religiosos realizaram nelas uma das aspirações primitivas de todo o cristianismo – a restauração de certo modo solidário de viver e ser, em que todos trabalham e repartem as riquezas.
Longe de ser um consenso, essa visão causa arrepios a muitos historiadores e antropólogos dispostos a atacar os efeitos do trabalho dos padres, que aculturaram os guaranis, impondo-lhes modos de vida e pensamento estranhos à sua história. As Missões, também chamadas “reduções”, sujeitaram o índio, que passou a viver em vilas organizadas, a praticar a monogamia, a trabalhar em horários certos, a prover o futuro de médio prazo, a ser católico.
O outro lado lembra, porém, coisas positivas: se a questão era preservar a cultura dos índios, ele diz que os jesuítas fizeram isso: aprenderam seu idioma, descreveram sua gramática e, com ela, ensinaram futuras gerações. E mais: se as Missões sujeitavam os índios antes livres, caçadores, poligâmicos, que plantavam somente o que comeriam nos tempos imediatos, sem preocupação com o futuro, elas também significaram uma alternativa concreta de vida. Fora delas, o que aconteceu realmente com os guaranis e outros tantos povos indígenas? Foram exterminados, regra geral, ou se aculturaram na marra, passando a viver a vida dos brancos sem a menor chance de preservar o que quer que fosse.
Décio Freitas, comprador das boas brigas, sabia de tudo isso quando escreveu seu livro. Levando em conta toda essa polêmica, descreveu o processo histórico com cautela e estratégia. Assim, nos primeiros capítulos fez um detalhado cenário dos séculos 17 e 18, período em que as Coroas portuguesa e espanhola não tinham a menor idéia de quais eram realmente os limites de seus territórios no miolo da América do Sul. Depois descreve os personagens envolvidos na trama: a Coroa espanhola, os guaranis e os jesuítas.
À Coroa interessava expandir os limites das terras sob seu comando e, quem sabe, forjar uma saída para o Atlântico, passando sobre o que hoje são Santa Catarina e Paraná. Os guaranis, menos um povo e mais um “mosaico étnico”, eram coletores e caçadores, tendo pouca prática na agricultura permanente. Constituíam uma sociedade sem classes, vivendo num comunismo primitivo e ameaçados pela chegada dos espanhóis, de quem só podiam esperar a escravidão. Os jesuítas, de sua parte, queriam evangelizar os índios. Para isso, era preciso conservá-los livres. Nunca se confirmaram as suspeitas de que tivessem interesse econômico específico, como acumular riquezas em proveito próprio – embora a Companhia de Jesus tenha sido acusada, mais de uma vez, de acalentar o projeto de um Estado teocrático.
Com a instalação das Missões, a Coroa ganharia o território e os impostos, os jesuítas teriam sua prática catequética realizada e, mais ainda, os guaranis teriam três ganhos – viriam a experimentar um salto tecnológico extraordinário, nas práticas agrícolas e no aprendizado de técnicas artesanais e industriais, manteriam uma condição de liberdade superior à que teriam se fossem submetidos à escravidão e não precisariam mudar algumas marcas essencias de seu modo de vida, preservando sua língua, por exemplo. Com essa análise, Décio defende uma tese inquietante: feitas as contas, os guaranis não teriam sido um elemento passivo na concepção e na construção das Missões, pelo contrário. Sua vontade coincidiu com a dos padres e da Coroa espanhola, naquele momento.
Para entender melhor essa longa convivência, de quase um século e meio, é preciso voltar ao início, por volta de 1610, quando as primeiras reduções foram estabelecidas, no atual limite entre o Paraguai e o estado brasileiro do Paraná. Os índios das Missões, cujos humores guerreiros haviam sido abrandados pelo cristianismo, viraram presas fáceis dos bandeirantes oriundos de São Paulo que corriam o sul em busca de riquezas e de mão-de-obra escrava.
Para garantir segurança, era preciso ir mais longe. Os jesuítas arregimentaram os índios que sobraram e empreenderam uma longa jornada rumo ao sul, correndo ao longo do rio Paraguai. Chegando ao atual norte da Argentina e noroeste do estado do Rio Grande do Sul, guaranis e jesuítas fundaram e fizeram prosperar nada menos que 30 povoamentos, que alcançaram uma população espantosa para a época – em 1736, seriam mais de 102 mil indivíduos. Para comparar: em
As terras ocupadas pelos 30 povos pertenciam à Espanha (apenas sete deles ficavam à esquerda do rio Uruguai, em território que viria a ser brasileiro), mas a perseguição dos bandeirantes não conhecia fronteiras. Em 1641, numa batalha perto do rio Mbororé, os guaranis resistiram com canhões feitos de grandes taquaras amarradas com couro e expulsaram os aventureiros.
A Coroa portuguesa mal sabia o que fazer, e na prática a única ação de gente lusa ali era a dos bandeirantes. Mas a civilização jesuítico-guarani começou a ser desmanchada não pelos bandeirantes, mas pelas Coroas, em 1750. Naquele ano, foi assinado o Tratado de Madri, pelo qual Portugal abria mão da Colônia de Sacramento, pequeno mas importante porto fundado em 1680 na beira do rio da Prata, exatamente em frente a Buenos Aires, e a Espanha cedia a região à margem esquerda do rio Uruguai – exatamente a localização dos sete famosos e malditos Povos que ficam em território hoje gaúcho. Era a primeira reconfiguração legal do já antigo Tratado de Tordesilhas, que ainda no século 15 tinha destinado a Portugal apenas o litoral atlântico.
Para Décio, a atitude da Espanha era criminosa em mais de um aspecto, mas especialmente porque as Missões não eram agrupamentos irregulares e, pelo contrário, recolhiam impostos adequadamente, prestavam subordinação ao rei, forneciam homens para tarefas as mais variadas (guerras, mas também construção de igrejas em outras partes do território hoje argentino etc.). Quer dizer: os guaranis, com os jesuítas, eram súditos leais à Coroa espanhola. Isso sem contar o fato trivial de que eram nativos da América, e portanto viviam aqui desde tempos remotíssimos.
Passados para domínio português, os padres e índios tiveram de deixar as Missões. Os índios resistiram ainda depois de os jesuítas terem aceitado a transferência imposta por Madri. Mas foram chacinados, em guerra sistemática e moderna, comandada por Gomes Freire de Andrade, figura que ganhou um enorme elogio literário
A terceira edição do livro mudou de nome. Passou a chamar-se Missões – Crônica de um Genocídio. Já estávamos em 1997, e o autor sabia que não valia a pena reiterar nos mesmos termos o debate sobre a natureza eventualmente socialista utópica do episódio missioneiro. (Mas talvez pudesse ter acrescentado calor à conversa, lembrando que o último local nominalmente socialista, Cuba, é dirigido por um sujeito que aprendeu muito com os padres jesuítas.) Preferindo a denúncia do massacre desde o título, como a mostrar o crime histórico cometido ali contra uma população civil como noutros tempos ocorreria em Canudos, no Contestado ou em Palmares, Décio Freitas usa em seu ensaio da melhor verve de promotor público, mobilizando sua mais vibrante retórica para lembrar que a história não pode ser negligenciada.
A poesia completa está no livro “Quando É Dia de Futebol” (Ed. Record).
Museu do Expedicionário em Curitiba, ao lado dos mastros das bandeiras o monumento com a lápide dos nomes dos paranaenses mortos em combate na Itália (Foto: Roberto Bondarik - Janeiro de 2010) |