Cornélio Procópio: do Sertão à Ferrovia
Prof. Roberto
Bondarik, Dr.
bondarik@outlook.com
Escrever
a respeito da formação histórica do Município de Cornélio Procópio significa tratar
da ocupação e colonização no Norte do Paraná, consolidada na primeira metade do
século XX. Movimento acelerado pela presença do capital financeiro britânico e
a influência da Ferrovia São Paulo-Paraná. Estudar a história de Cornélio
Procópio é considerar as relações que se estabeleceram entre estas companhias
colonizadoras, esta ferrovia e o município (BRASIL, 1988).
O
objetivo deste trabalho é discorrer a respeito de alguns dos registros
históricos referentes à formação de Cornélio Procópio. Um estudo que se pautará
pela apresentação e discussão de alguns acontecimentos registrados desde a
década de 1840 até o ano de 1930, quando é inaugurada a estação ferroviária.
I
– Os princípios da ocupação
No
período entre 1840 e 1916, o Governo, seja provincial ou Imperial, se declara
apenas como preocupado com os destinos do Norte do Paraná e com aquilo que na
região acontecia. Destaque-se que até 1853 o Paraná fazia parte da Província de
São Paulo, como a sua Quinta Comarca (TOMAZI, 2000). Neste longo período a
economia paranaense centrava-se na criação de gado nos Campos Gerais, na condução
das tropas de muares que desde o Rio Grande do Sul até Sorocaba e na extração
da erva-mate (WACHOWICZ, 1987, 1988).
Àquele
tempo, em 1840, a Província do Mato Grosso tinha a mais difícil comunicação física
com o Rio de Janeiro, capital do Império. Era preciso deslocar-se por mar até
Buenos Aires na Argentina, subir os rios Paraná e Paraguai até Assunção chegando
ao Mato Grosso. Nesta conjuntura surgiu o Barão de Antonina: João da Silva
Machado. Fazendeiro, comerciante, dono de tropas de carga, era também um dos
principais políticos engajados na emancipação da Quinta Comarca, transformada
em Província do Paraná em 1853 (MÜLLER, 1956; WACHOWICZ, 1987, 1988; BRASIL,
1988; TOMAZI, 2000). O objetivo do Barão era identificar novas rotas, viáveis,
ligando os portos do litoral do Paraná até Mato Grosso. Assim ele patrocinou diversas
expedições exploratórias que esquadrejaram o Norte do Paraná e o Mato Grosso do
Sul. Os líderes das expedições eram: John Henry
Elliot, cartógrafo, nascido em Filadélfia, nos Estados Unidos da América em
1809, e que aos dezesseis anos chegou ao Brasil a bordo da fragata Cyane e; Joaquim Francisco Lopes,
sertanista, alcunhado “Sertanejo” (ELLIOT, 1870; WACHOWICZ, 1987, 1988; TOMAZI,
2000).
Em
1846 os dois exploradores mapearam o curso do rio Tibagi, explorando seu
sertão. Esta expedição foi bem documentada de forma que podemos saber o que foi
encontrado na região, habitada àquela época por índios nômades e no século XVII
pontilhada por reduções espanholas (MÜLLER, 1956; WACHOWICZ, 1988). Eles
buscavam um certo ponto da Serra do Apucarana para que, a partir de seu topo,
pudessem observar o Norte do Paraná e o vale do rio Ivaí, que já conheciam. A Serra
do Apucarana fazia presente do imaginário brasileiro, para os nativos era um
local paradisíaco, para os bandeirantes paulistas era a terra de riquezas
imaginárias (ELLIOT, 1870; WACHOWICZ, 1987). Hoje ela possui diversos nomes:
Esperança, Cadeado, Santa Maria, etc. Encontrado o mirante almejado Elliot e
Lopes puderam vislumbrar os sertões do Tibagi, Ivaí e Paranapanema, com as suas
matas de então, alguns campos e os cursos d’água, puderam escolher quais rotas
deveriam seguir. A descrição que o cartógrafo faz da paisagem avistada, ainda
hoje emociona por sua beleza poética (foi mantida a ortografia daquele período):
A serra em cima é um taboleiro de
trezentos e tantos passos de comprido, e quase outros tantos de largura: tem
pouca vegetação, e aqui e alli se viam grandes e isoladas pedras de todos os
tamanhos e formas. Por causa de estarem queimando os campos, tanto em Curitiba
como em Guarapuava, a atmosphera estava esfumaçada de tal maneira, que não foi
possível distinguir cousa alguma na distância de duas léguas em torno (...) Quatro
dias consecutivos subimos áquelle lugar, mas sempre com os mesmos
desapontamentos: vimos então que era preciso esperar a chuva, e por não estar
parados determinamos de subir a ponta de uma cordilheira que ficava a oeste
distante duas léguas, a qual estorvava nossas vistas para aquelle lado.
Seguimos por pinhaes e terras montuosas de mato bom; no terceiro dia chegamos
ao lugar determinado, d’onde vimos a aberta do rio Ivahy, distante seis ou sete
léguas a oeste; porém a chuva que logo cahiu em grande abundância vedou-nos de
fazer mais observações (...) O tempo melhorou; eu e o Sr. Lopes tornamos pela
quinta vez a subir a serra, não havendo nem camarada nem índio que quizesse
acompanhar-nos. O dia estava bello, a atmosphera limpa, e fomos amplamente compensados
de todas as nossas fadigas no instante em que chegamos ao cume. Que lindo e
magestoso quadro! O mais bello céo do universo brilhava sobre nossas abeças, e
estendidos como um mappa a nossos pés víamos rolar caudalosos rios,
atravessando as mais pittorescas e magníficas florestas do Brasil. Eminência
encantadora, eu d`aqui mesmo ainda te saúdo! Perto de nós, concavidades
saturnaes e montanhas atiradas sobre montanhas mostravam que alguma erupção
vulcânica tivera lugar alli, e no meio de todo este chão a Apucarana levantava
sua alva e descalvada cabeça, olhando com tranquilidade as fórmas fantásticas
que as convulsões da natureza tinham accumulado em derredor de si. O Tibagy (ELLIOT,
1870, p.154).
O
registro daquele momento foi perpetuado com uma inscrição, em uma pedra feita,
feita naquele local pelos dois exploradores: “JHE – JFL – 1846” (WACHOWICZ,
1987, 1988). Marco que está ainda hoje em seu local original, um serro agora
denominado Pedra Branca, no município de Ortigueira. Elevação que pode ser
avistada a partir da Rodovia do Café, possuindo em seu cume uma estação de
telecomunicações e telefonia, com acesso restrito.
Rumo
ao Norte, os exploradores adentraram os campos nativos do atual São Jerônimo da
Serra, aposseados em nome do Barão de Antonina:
São Jerônimo da Serra (...)
estrategicamente situado na orla da escarpa, constituía ponto de parada
obrigatória para os viajantes, derivando disso seu primeiro fator de
desenvolvimento. Esses centros de povoamento, postos avançados de colonização
num sertão ainda não desbravado, mantiveram-se como pequenos povoados até esse
século [XX], quando, sob o impulso da colonização moderna, começaram a se
desenvolver (MÜLLER, 1957, p.71).
Foram identificadas as
nascentes do rio que chamaram Congonhas ou “das Congonhas”, por possuir, em sua
nascente, muita erva-mate (ELLIOT, 1870). Mapearam seu traçado e sua
bacia tomando posse de parte considerável dela para o Barão de Antonina. Surgiu
assim a “Fazenda Congonhas” acompanhando as margens desse rio por uma
considerável extensão, abrangendo parte do território atual de Cornélio
Procópio e do Distrito de Congonhas (BRASIL, 1988; WACHOWICZ, 1987, 1988).
Mapa da Fazenda Congonhas, desenhado por John Henry Eliott, em 1861(Fonte: Arquivo do Exercito - Rio de Janeiro) |
Em 1891 os herdeiros do Barão de
Antonina venderam suas terras, ou parte delas, desocupadas em sua grande
extensão para Ildefonso Mendes de Sá (BRASIL, 1988). A área da Fazenda
Congonhas é comprovada também pelos mapas que mostram os limites da Colônia
Militar do Jatahy naquela época (WACHOWICZ, 1987). A Fazenda Congonhas foi
comprada em 1893 por Olegário Rodrigues de Macedo e José Marcondes de
Albuquerque. No ano de 1900. Olegário tornou-se o único proprietário da Fazenda
ao comprar a parte de seu sócio. Em 1902, mudou novamente de dono, sendo
comprada por José Pedro da Silva Carvalho (BRASIL, 1988). Acreditamos ser
difícil que algum deles tenha se fixado nestas terras ou produzido sua ocupação.
Era muito comum àquele tempo que fazendeiros e investidores de Minas Gerais e
de São Paulo comprassem terras, e em grande extensão, no Norte do Paraná. A
falta de estradas e outros meios de transporte tornavam os preços mais baixos e
atrativos, estas fazendas cujos direitos eram garantidos pelos documentos de
posse eram mantidas por meio de documentos, recibos e escrituras, com certeza
não eram ocupadas por seus donos legais ou seus prepostos (WACHOWICZ, 1987;
TOMAZI, 2000). Em 1923 as terras, ou parcela significativa delas, passaram a
pertencer a Companhia Agrícola Barbosa (BRASIL, 1988).
II
– A fase modernizadora
Um
mapa desenhado por John Henry Elliot, em 1870, depositado no Arquivo Nacional
no Rio de Janeiro, representa detalhadamente as antigas posses do Barão de
Antonina entre as atuais cidades de Tibagi e Jataizinho. São destacadas as
estradas, os lugares de pouso para os viajantes, moradias e rios. A bacia do
Congonhas é bem detalhada, porém há apenas o traço aproximado do seria o “Rio
do Peixe” que sabemos ser o rio Laranjinha e do Rio das Cinzas. As terras ao
leste do Congonhas são marcadas com a denominação de devolutas ou nacionais,
como possuidoras de mata fechada. Seriam estas terras devolutas, o alvo de um novo
surto de apropriação a partir do inicio do século XX (WACHOWICZ, 1988; TOMAZI,
2000). Cabe especial destaque a este termo, “terras devolutas”, tão comum ao
inicio histórico da maioria das localidades do Norte do Paraná e à abertura dos
seus sertões:
O atributivo “devolutas” tem sua origem na palavra latina “devolutu” – particípio do verbo “devolverre”, com a tradução literal despenhar, afastar-se,
precipitar. Daí o termo “devoluto”
adquire o sentido de devolvido, adquirido por devolução, vago, desocupado,
empregando-se tal expressão, em linguagem técnica de direito, para indicar
terras que se se isolam do patrimônio das entidades vinculadas ao poder público
por não se constituírem objeto de destinação especifica dos mesmos e nem serem
utilizadas por qualquer das entidades estatais, pertencendo, todavia, ao
domínio público, fazendo parte das comumentes denominadas terras públicas. São,
pois, bens públicos patrimoniais sem utilização pelo poder público (PENÇO,
1994, p.35).
Até
1916, o Governo do Paraná apenas se preocupava com as terras do Norte do
Paraná, mas não intervia diretamente em sua exploração. Neste momento a
perspectiva dos governantes mudou sensivelmente em relação à região. A perda em
definitivo da região do Contestado, em disputa com Santa Catarina, tirou dos
empresários paranaenses a possibilidade de explorar aquela região rica em
madeira e mate (WACHOWICZ, 1987, 1988). Os olhos de Curitiba voltaram-se para o
Norte do Estado e seu potencial extrativista (madeira), imobiliário (comercialização
das áreas rurais e urbanas) e infraestrutura (construção de pontes, estradas e da
ferrovia), conforme destacam Wachowicz (1988) e Tomazi (2000). Datam deste
período as primeiras leis com o objetivo de organizar a colonização do Norte,
chamando para o Governo do Estado, a tarefa de conduzir ou autorizar os
investimentos públicos ou privados:
(...) através da Lei Estadual 1.642
de 05 de abril de 1916, há uma interferência direta do poder público, fazendo
com que as terras devolutas pudessem ser ocupadas de modo mais rápido, através
de concessões governamentais a empresas particulares. Além disso, os
trabalhadores nacionais passaram a ter as mesmas oportunidades que os estrangeiros
de ter acesso à terra no Paraná (TOMAZI, 2000, p.159).
As
empresas colonizadoras poderiam subdividir e comercializar livremente as glebas
que adquirissem do Governo, devendo antes dota-las de uma infraestrutura de
transportes e condições para a sobrevivência que fossem mesmo que as mínimas
(TOMAZI, 2000). A ocupação da região compreendida entre os rios Itararé e
Tibagi foi decorrente da expansão dos cafeicultores paulistas que em seu Estado
estavam avançando em direção ao Oeste em busca de novas terras. O vale do Rio
Paranapanema foi em suas duas margens, a paulista e a paranaense, um alvo
natural dessa expansão (PENÇO, 1994). A construção da “Estrada de Ferro
Sorocabana” contribuiu para atrair e canalizar os resultados econômicos da
região norte-paranaense para os mercados de São Paulo (WACHOWICZ, 1987; TOMAZI,
2000). A dita ferrovia atingiu Ourinhos, na divisa dos Estados em 1908, fato
que foi suficiente para que a ocupação fosse sendo impulsionada a frente
através do Paranapanema:
(...) à São Paulo é que coube
avançar da sua fronteira com os trilhos de uma estrada de ferro e atrair para a
sua orbita econômica essa fertilíssima região. Aliás, a magra torrente do
Paranapanema não marca mais do que um limite político. Dum lado como do outro a
geologia é a mesma. O mesmo solo roxo, que fez do café uma riqueza. O mesmo
clima sadio que tornou possível a fixação do homem de todos os quadrantes na
gleba bandeirante (BASTOS, 1935, p.04).
Foi desta forma
considerado natural que os investidores, a partir do Estado vizinho, se
dirigissem ao Paraná, seja para produzir ou especular com as terras rurais ou
urbanas. Curitiba era o destino apenas daqueles que desejavam obter uma
autorização especial ou cuidar de interesses pessoais e legais junto ao Governo
do Estado do Paraná (WACHOWICZ, 1987; BRASIL, 1988). O café despontaria no
Norte como uma nova alternativa econômica ao Estado e a região se revelaria aos
paranaenses que até então o ignoravam e nem mesmo o consideravam parte do seu
território:
Sacudidos desse quase torpor de
indiferentismo com que julgamos a extensíssima região do Norte, cuja existência
apenas se caracterizava pelo município de Jacarezinho [1900], perdido nos
confins de São Paulo, completamente desligado da parte sul que constitui na
verdade o Estado do Paraná, desde os seus primórdios. De Jacarezinho apenas se
conhecia o nome, e uma vaga noticia de terras cafeeiras quando alguém dos seus
moradores, políticos, lavradores, ou negociantes de terra, aportava à Curitiba,
apregoando as virtudes daquela região, que o Curitibano ouvia indiferentemente,
ao redor da mesa do café ou chupando um cigarro durante um demorado “footing” da rua 15 de novembro,
lembrando-se que fora da herva-matte, do pinho [Araucária], dos campos de Guarapuava
e dos diamantes do Tibagi, nada mais poderia existir de bom neste abençoado
recanto sulino (MARTINS, 19 jun 1924, p.01).
Apesar
do fluxo e das promessas da agricultura, a região não era objeto dos
investimentos governamentais. O estado de abandono do Norte do Paraná e a
indiferença de que era alvo nas regiões mais antigas de seu território chegaram
a ser destacadas por Romário Martins:
Completamente abandonada, pois,
estava aquela região a ponto de a não considerarmos, por hábito, como nossa –
uma espécie de Ilha da Trindade [no Oceano Atlântico] que sabemos existir, mas
que pouca nos importa a sua existência longe da costa, em mar alto, sem viva
alma, como um rochedo batido pelas ondas, cuja razão de ser seja talvez a de
marcar uma elevação perigosa à rota dos navegantes. Mas o que é certo é que se
a fama da terras desse Norte [do Paraná] não alcançou crentes dentro do Estado,
despertou cobiças lá fora, em São Paulo e Minas Gerais, principalmente, e uma
verdadeira romaria de agricultores sertanistas ai aportou de tempos em tempos,
para explorar a nova Canaã prometida (MARTINS, 19 jun 1924, p.01).
O
cultivo do café que fez atrair grandes investidores que abriram fazendas em
meio a mata fechada e, no maior momento desta fase, atraiu o interesse do capital
britânico que aqui foi aplicado (TOMAZI, 2000). Cornélio Procópio, como
contemporaneamente a conhecemos, está vinculada historicamente a esse processo.
III
– Companhia Agrícola Barbosa, Ferrovia São Paulo-Paraná e Companhia de Terras
Norte do Paraná
Deixando
de lado a formação histórica de cidades como Ribeirão Claro, Jacarezinho, Santo
Antonio da Platina e outras mais ao sul da região, iremos centrar as atenções a
partir da Cambará, pois foi dali que partiram aqueles que deram inicio a
ocupação efetiva de Cornélio Procópio nos anos 1920 e 1930 (BRASIL, 1988; DIAS,
2000). De Cambará partiu a ferrovia que atingiu esta cidade em 1930 e foi dali
que vieram os funcionários e os proprietários da Companhia Agrícola Barbosa que
efetivamente foram os responsáveis pela abertura da primeira estrada de rodagem
ligando esta cidade até os limites de São Paulo (WACHOWICZ, 1987; BRASIL, 1988;
DIAS, 2000).
A
Companhia Agrícola Barbosa, criada por Antonio Barbosa Ferraz Jr, adquiriu em
1910, uma considerável extensão de terras próximas a atual cidade de Cambará
(WACHOWICZ, 1987, 1988; DIAS, 2000). Com o crescimento da lavoura e
consequentemente da produção de café na região, já eram 1.215 estabelecimentos
agrícolas produtores em 1924, não sendo mais possível transportar a safra
apenas em carroças, carros de boi ou tropas de muares até o Paranapanema e
Ourinhos. Dada a necessidade logística, ganhou corpo junto ao Governo do Paraná,
a ideia da construção de um ramal férreo que ligando o Norte do Paraná à
Sorocabana:
A questão dos “caminhos”, sejam
rodovias ou ferrovias, sempre foi uma tônica nos discursos governistas do
Paraná. Havia vários projetos e alguns em andamento. Neste sentido havia um
projeto desde o tempo do Império, estender a via férrea de Ourinhos até as
margens do Paranapanema e fazer a continuidade da mesma pelo interior do Paraná
em direção à Cambará projetando-se até Jataí e daí até as barrancas do rio
Paraná, em Guaíra (TOMAZI, 2000, p.166).
Com
o intuito de ao menos construírem a ferrovia de Ourinhos até Cambará,
fazendeiros e investidores paulistas, liderados por Antonio Barbosa Ferraz e
seus filhos, organizaram em 1920 a “Estrada de Ferro Noroeste do Paraná”. O
Governo do Paraná foi convencido e permitiu o empreendimento:
(...) em Agosto de 1920,
conseguiram, graças à clarividência e patriotismo do atual presidente do Estado
do Paraná, a concessão da atual Estrada de Ferro Noroeste do Paraná, cujo
traçado foi sempre negado pelo governos anteriores, com fundamento de que foge
ao plano geral de viação férrea do Estado, pelo qual todas as estradas de ferro
devem convergir para o porto de Paranaguá ou para o Antonina (O ESTADO DE SÃO
PAULO, 16 jan. 1924, p.03).
O
projeto da ferrovia era ousado, seu objetivo era ligar por trilhos e trens o
Porto de Santos até Assunção, no Paraguai:
(...) partindo da mencionada
estação Ourinhos, se, depois de atravessar os rios Paranapanema, Cinza,
Laranjinha e Tibagi, prosseguir em demandado grande rio Paraná – mar interno do
Brasil – abaixo do Salto de Guaíra – a maior força hidráulica do mundo – será
inteiramente o visado pelo nosso eminente estadista dr. Cincinato Braga, para a
ligação ferroviária Santos-Assunção (O ESTADO DE SÃO PAULO, 16 jan. 1924,
p.03).
Um
projeto considerado tão importante do ponto de vista geopolítico e econômico
que, décadas depois, em 1956, ainda era acalentado pelas autoridades
brasileiras:
Quanto à Estrada de Ferro [São
Paulo-Paraná], deverá com uma alteração de rumo para SW, continuar seu traçado
até Guaíra, atravessando os rios Ivaí e Piquirí, estabelecendo conexão com a
rede ferroviária paraguaia: Santos e Assunção focarão ligados, assim, via Norte
do Paraná (MÜLLER, 1956, p.79).
Parece-nos
claro hoje que o objetivo desta companhia era atrair investidores de maior
vulto para a efetivação de seu projeto: construir a ferrovia e atingir o
Paraguai. Em 1924 esteve no Brasil a “Missão Montagu”, formada por financistas,
empresários e especialistas britânicos. Eles vieram analisar a capacidade de
endividamento e liquidez financeira do Governo Brasileiro (ABREU, 1974). Fazia
parte dela Simon Joseph Frazer ou “Lord Lovat”, agrônomo de formação, que
procurou áreas em que pudessem empreender, em larga escala, o plantio de
algodão, ele representava também os interesses da “Sudan Cotton Syndicate” (MÜLLER, 1956; WACHOWICZ, 1987, 1988;
BRASIL, 1988; TOMAZI, 2000).
Das observações de Lord
Lovat resultou a decisão dos britânicos em investirem no Brasil. Assim surgiu
em 25 de Abril de 1925 a “Brazil
Plantations Syndicate Limited”, que comprou fazendas em Birigui e Salto
Grande. Voltando seus interesses para o Norte do Paraná, onde haviam terras
devoluta e outras à venda, criaram ainda em 1925 a “Paraná Plantations Limited”, com sede em Londres onde captaria
recursos e a “Companhia de Terras Norte do Paraná” (CTNP), com sede em São
Paulo, para aplicar e gerir os recursos aplicados e seus resultados (TOMAZI,
2000). A CTNP adquiriu entre os anos de 1925 e 1927 mais de 515 mil alqueires
paulistas no Norte do Paraná, à oeste do rio Tibagi, uma área de quase um
milhão, duzentos e cinquenta mil hectares (WACHOWICZ, 1987, 1988).
Devido
a considerável distância entre as terras do Norte do Paraná do litoral e de um
porto, os britânicos assumiram como principais investidores a “Estrada de Ferro
Noroeste do Paraná” e a rebatizaram de “Ferrovia São Paulo – Paraná em junho de
1928 (MÜLLER, 1956; WACHOWICZ, 1987; TOMAZI, 2000). Os negócios envolvendo as
terras não se desenvolveriam sem um meio de transporte eficaz como a ferrovia:
“... enquanto a colonização garantia
fretes à ferrovia, esta assegurava o fluxo contínuo de colonizadores para as
frentes pioneiras” (MÜLLER, 1956, p.77).
Os investimentos na
ferrovia foram rápidos, ainda em 1928 a ponte sobre o Paranapanema foi
reconstruída em aço, novos equipamentos e componentes adquiridos, conforme se
apresentou em uma Assembleia de Acionistas da Paraná Plantations. Ocasião em
que listaram as necessidades de, com a ferrovia, facilitar as relações
políticas e comerciais entre o Brasil e o Paraguai e, a sensível diminuição do
tempo de viagem deste país até a Europa em cerca de dez dias. Atingir o litoral
do Pacífico era um objetivo declarado também. Um novo leque de negócios se
abriria aos investidores britânicos (WILEMAN’S BRAZILIANS REWIEN, 14 jun.
1928).
Muito
cedo os britânicos se convenceram de que o cultivo de algodão, no Norte do
Paraná, em escala de produção economicamente viável, não seria possível. O
ganho financeiro com a produção de café é bastante superior aquele que era
proporcionado pelo algodão. Nova assembleia da Paraná Plantations decide por
adotar outras oportunidades de negócio que pudessem surgir, em especial a venda
direta de terras e a exploração da ferrovia, tentando levar seus trilhos até o
Paraguai, obtendo uma ligação entre os Oceanos Atlântico e Pacífico (WILEMAN’S
BRAZILIANS REWIEN, 16 ago. 1928). A ferrovia avançou pelo Norte do Paraná,
atingindo Construída
pela empresa MacDonald, Gibbs & Co, de Londres a ferrovia atingiu Andirá em
abril de 1930, Bandeirantes em Julho, Santa Mariana no Km 107 e Cornélio
Procópio tiveram suas estações entregues em 1º de dezembro de 1930. Em 1931
chegariam às margens do Tibagi em Jataizinho e em 1934 com a conclusão da ponte
ferroviário sobre esse rio seguiriam os trilhos pelo Norte do Paraná até
ultrapassar Londrina (BRASIL, 1988; WACHOWICZ, 1987, 1988; DIAS, 2000; TOMAZI,
2000).
Com a chegada da ferrovia até Cornélio Procópio, a
área da futura cidade começou a ser ampliada, sabe-se que pelo menos desde 1924
casas ali eram construídas e terrenos comprados ou vendidos (VILLAS BOAS NETO,
2015). A área rural também passou a receber intenso fluxo de pessoas. A
propaganda efetuada pela CTNP auxiliou indiretamente a venda das terras em
Cornélio Procópio.
A ocupação
específica do Município de Cornélio Procópio a partir do estabelecimento de sua
estação ferroviária, a ação das companhias colonizadoras nesta área, serão objeto
de apresentação, análise e discussão em trabalhos futuros, seja neste blog ou publicações ligadas a instituições de ensino/pesquisa ou outros meios de divulgação.
Referências:
ABREU, Marcelo
Paiva. A Missão Niemayer. In: Revista de
Administração de Empresas, Rio de Janeiro, v.14, n.04, jul-ago. 1974, p.
07-28. Disponível em < http://dx.doi.org/10.1590/S0034-75901974000400001 > Acesso em 15 fev. 2019.
BRASIL, Átila
Silveira. Das origens e da Emancipação
do Município [de Cornélio Procópio]. s.n.t. [1988];
DIAS, Paulo Ribeiro. Cornélio
Procópio: a história em prosa e verso. Londrina: Gráfica e Editora Modelo,
2000;
ELLIOT, John Henry.
Itinerário das viagens exploradoras empreendidas pelo Sr. Barão de antonina
para descobrir uma via de communicação entre o porto da Villa de Antonina e o
Baixo-Paraguay na Provìncia de Mato-Grosso: feitas nos annos de 1844 a 1847
pelo sertanista Sr Joaquim Francisco Lopes e descriptas pelo Sr João Henrique
Eliott. In: Revista de História e
Geografia, Rio de Janeiro, Primeiro Trimestre de 1848, 2ª ed. p.153-177;
MARTINS, Romário. Sertão em Flor: o Paraná cafeeiro,
parte I. Jornal O Dia, Curitiba, p. 01-08, 19 jun 1924;
MÜLLER, Nice
Lecocq. Contribuição ao estudo do Norte do Paraná. In: Boletim Paulista de Geografia, n.22, 1956, p.55-97. Disponível em
< http://www.agb.org.br/publicacoes/index.php/boletim-paulista/article/view/1305/1144 > Acesso em 15
fev. 2019;
NOVA ESTRADA DE FERRO. O Estado de São Paulo, p.03, 16 jan.
1924;
PENÇO, Célia de
Carvalho Ferreira. A “evaporação” das
terras devolutas no Vale do Paranapanema no Estado de São Paulo. São Paulo:
HVF Representações, 1994;
TOMAZI, Nelson Dácio. Norte do Paraná: histórias e
fantasmagorias. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2000;
VILLAS
BOAS NETO, Antonio. Memórias,
Simplesmente Memórias: cinco décadas da imprensa procopense. Londrina:
Midiograf, 2015;
WACHOWICZ, Ruy Chistowam. Norte
Velho, Norte Pioneiro,
Curitiba: Gráfica Vicentina, 1987;
______. História do Paraná. 6ª ed. Curitiba:
Gráfica Vicentina, 1988;
WILEMAN’S BRAZILIANS REVIEW. Report & Meetings of Companies:
Paraná Plantations. Rio de Janeiro, 14 jun. 1928, p. 764-766;
______. Report & Meetings of Companies: Paraná Plantations. Rio de
Janeiro, 14 jun. 1928, .1050-1052;
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