sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Centenários do Norte: Os Cem anos da Emancipação Politica de Cambará no Norte Pioneiro do Estado do Paraná

 Centenários do Norte: Cem anos da Emancipação Politica de Cambará no Norte Pioneiro do Estado do Paraná

Prof. Dr. Roberto Bondarik

bondarik@utfpr.edu.br

Professor Titular da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Cornélio Procópio

 

 

Em 21 de setembro de 1924 foi instalado o Município de Cambará, um centenário que marca as comemorações de tantos outros vindouros nos próximos anos acompanhando o traçado da Ferrovia São Paulo – Paraná até adentrar Londrina. A importancia de Cambará para a história e a integração do Norte do Paraná à Civilização Ocidental é imensa pois foi aí, há cem anos,  que o Paraná foi apresentado a Lord Lovat integrante da Missão Montagu que analisava a situação econômica e fiscal do Brasil para banqueiros britânicos. Lovat era um pesquisador das possibilidades de desenvolvimento do País, um prospector de investidores britânicos que haveriam de criar a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP). Antonio Barbosa Ferraz Junior, interessado em alavancar seus negócios, foi quem mostrou a Lovat o potencial econômico da terra roxa, do café e abertura desta grande região ao mercado nacional e internacional. Os ingleses se interessaram e se tornaram pró-ativos na transformação de um sertão de matas maciças em um grande centro de produção agropecuária.

Barbosa Ferraz, ao que consta conheceu a região ao Norte e Oeste de Jacarezinho ainda por volta de 1908, participando de uma caçada que era uma atividade tão comum quanto as pescarias que hoje se promovem. Já havia fazendas e fazendeiros na área e descreviam-na como um “maciço de arvores frondosas”, sem clareiras. Aufere-se portanto que Barbosa Ferraz conheceu o solo coberto de mata fechada e as terras já aberta e com a prática da agricultura, talvez já com o café em franca produção. 

A chegada naquele ano de 1908 da Ferrovia Sorocabana à Estação de Ourinhos-SP possibilitou uma facilidade no transporte de cargas em grandes volumes que favorecia a produção agrícola em grande escala. Barbosa Ferraz adquiriu grande extensão de terras atraído por sua fertilidade e pela ausência de uma legislação, como a existente em São Paulo, que limitava a implantação indiscriminada de cafezais bem como o volume do seu transporte pelas ferrovias até o Porto de Santos. A sua Companhia Agrícola Barbosa em pouco mais de uma década assumiria a posição de maior estabelecimento agropastoril e também industrial, considerando todo o Estado do Paraná, tornando-se inclusive foco de disputas politicas com a então sede do seu municipio, Jacarezinho. O projeto de expansão  economica que se vislumbrava no inicio da década de 1920 não era compreendido e muito menos alvo de atenção e investimentos do Governo do Estado do Paraná daquela época, cujos esforços estavam em alavancar e perpetuar as atividades ligadas a extração, beneficiamento e exportação da Herva-Mate. 

Cambará em seus primeiros decênios teve uma agricultura baseada na produção de café, com grandes fazendas que empregavam muitas vezes centenas de famílias de colonos. Registra-se que muitos, senão uma maioria, destes trabalhadores eram de origem estrangeira: italianos, espanhóis, eslavos, japoneses etc. Nestas fazendas adotavam um sistema em que ao colono era permitido cultivar principalmente o milho e o feijão em meio ao arruamento dos cafeeiros, além do arroz em áreas de baixada. A produção ou sua maior parte era de propriedade dos colonos que, atravez da ferrovia podiam levar o que colhiam para ser vendido em Ourinhos, Avaré, Sorocaba até São Paulo. Apesar do trabalho pesado e da quase inexistencia de proteções de leis trabalhistas inexistentes até muito tempo, esses colonos conseguiram, em sua grande parte adquirir terras na fronteira que ia se formando para além do Rio das Cinzas, transpondo o Laranginha, o Congonhas, o grande Rio Tibagi e se espraiando pela grande área da Companhia de Terras Norte do Paraná nos anos 1930. Destaque-se que o sistema de financiamento das companhias loteadoras era quase que auto-financiavel se houvesse a imediata ocupação e inicio do processo de produção das terras: derrubada da mata, extração da madeira mais valiosa, plantio do café, plantio de generos agricolas para sustento e comercio etc.

A possibilidade da extensão de um ramal ferroviário da Sorocabana até Cambará e mesmo adiante, a partir de Ourinhos, ideia que foi muito difundida no inicio dos anos de 1910 e seguintes,  fez aumentar o afluxo de compradores de grandes extensões de terras na região. Compravam-se as propriedades nominais de antigas posses do século XIX, de seus herdeiros e mesmo de terras devolutas do Estado do Paraná. A Primeira Guerra Mundial limitou os mercados consumidores de café e algodão, fez desaparecer do mercado os trilhos de aço, locomotivas, vagões, explosivos para detonação de rochas no leito em construção das ferrovias, de 1914 até pelo menos 1920 houve uma grande pausa na região, no Brasil e no Mundo.

Como a extensão da Sorocabana não foi efetivada, em 1920, impulsionados pelos discursos e artigos publicados pelo Deputado Federal por São Paulo Cincinato Braga que defendia a construção de uma ferrovia ligando Salto Grande à Guaíra, depois a Assunção no Paraguai e sua interligação com os barcos a vapor argentinos dos Rios Paraná e Paraguai, decidiu-se pela construção de uma ferrovia com recursos próprios dos fazendeiros locais. Os Barbosa, Antonio e seus filhos, possuíam investimentos muito diversificados e, ao que demonstraram, eram muito instruídos na potencial capacidade econômica do Norte do Paraná, ainda um projeto de exploração. A Ferrovia Noroeste do Paraná foi formalmente constituída em Agosto de 1920 para, inicialmente, ligar por meio de uma estrada de ferro com um metro de bitola, a localidade de Cambará até Ourinhos, meta atingida completamente até 1925. A concessão de construção contemplava a sua extensão até Jataizinho, na Comarca de Tibagi, tendo seus estudos e projetos sido feitos nos anos seguintes. Essa ferrovia seria adquirida pelos britânicos da Paraná Plantations, tornando-se o embrião fecundo que geraria Cornélio Procópio, Londrina até Maringá.

Sob a égide da Companhia Agricola Barbosa Cambará tornou-se Município com interesses econômicos um tanto que diversos daqueles que conduziam Jacarezinho e o  Estado do Paraná àquele tempo. Uma série de conflitos envolvendo a Companhia, seus proprietários e o Juiz de Jacarezinho levaram a implantação da Comarca de Cambará em 1928. A cidade foi o ponto de passagem para todos os que buscaram “fazer o Norte”, se “firmar na vida”, trabalhando nos sertões do Norte do Paraná tornados acessíveis pela CTNP.

Meu cafezal em flor, quanta flor no meu cafezal! Cem anos de Norte do Paraná, de trabalho, de dedicação e de construção de uma cultura pé vermelha!

domingo, 15 de setembro de 2024

2024: Centenários do Brasil e do Norte do Paraná

Texto produzido para e publicado pelo Jornal "Folha de Londrina" em 27 de Julho de 2024.


2024: Centenários do Brasil e do Norte do Paraná

 Prof.Dr. Roberto Bondarik

bondarik@utfpr.edu.br

Docente e Pesquisador da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Cornélio Procópio

Coordenador adjunto do Laboratório de História da UTFPR


         A consciência histórica é a consciência da mudança, da transformação que se materializa no progresso e as vezes no retrocesso. A ideia de que tudo muda com o tempo e que portanto possui história desenvolveu-se a partir do Renascimento e consolidou-se com a Revolução Científica do século XVII. Percebemos as transformações por meio da observação dos ambientes, dos documentos e outras fontes. Os ultimos cem anos foram excepcionais no registro sonoro, visual e escrito da história do Brasil e em especial a do Norte do Estado do Paraná.

          Historicamente 2024 é um ano marcante: há exatos cem anos, neste mesmo mês de julho a cidade de São Paulo ardeu sob o fogo da artilharia e sob o bombardeio aéreo do Exercito Brasileiro que enfrentava os "Tenentes Rebeldes" em uma sua primeira ousadia: a Revolução de 1924, um motim estritamente militar ocorrido no Exercito e na Força Pública de São Paulo. Foi a primeira cidade brasileira, talvez do continente a sofres ataques aéreos sistemáticos. Os amotinados paulistas, que entre outras pautas pediam o fim das oligarquias, se deslocaram para o Oeste do Paraná, juntaram-se a outros vindos do Rio Grande do Sul e formaram a "Coluna Prestes - Miguel Costa" que cruzou o Brasil por anos. Mas essa é outra história que em breve trataremos.

             Outra reclamação dos rebeldes era a Missão Inglesa chefiada pelo Lord Montagu, que havia no primeiro semestre daquele ano, analisado as finanças públicas e as condições de investimentos no País. O relatório da Missão publicado em junho de 1924 foi considerado ofensivo a soberania nacional pelos militares que se amotinavam. Dela fez parte Lord Lovat, personagem marcante da presença britânica no Norte Novo do Paraná, que buscava produzir algodão no Brasil os mercados ingleses. Lovat esteve na Fazenda Agua do Bugre de Antonio Barbosa Ferraz Júnior, em Cambará e há cem anos, sobre uma mesa de bilhar ou de carteado no salão de jogos, examinou um mapa com as terras além do Rio Tibagi e a possibilidades da Ferrovia que deveria se estender de Ourinhos a Guaira, no Rio Paraná, atingindo Assunção no Paraguai. Os Britânicos formaram a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), adquiriam a preço simbólico a Ferrovia São Paulo - Paraná em 1928, projetaram um dos maiores projetos imobiliários da história do Brasil, dando origem ao Norte do Paraná como o conhecemos hoje, capitaneado por Londrina e Maringá, agora centenário.

         A ferrovia, meios de navegação a vapor, estradas de rodagem e núcleos urbanos de diversos tamanho eram exigência legal da União e do Estado do Paraná para autorizar a implantação de projetos de colonização àquele tempo. Não só o cultivo do café motivou a busca pelo Norte Novo, havia um mercado crescente de alimentos básicos decorrente do processo de industrialização e urbanização, verificados no Sudeste, já a partir da década de 1920. A construção da ferrovia foi paga pelo Governo do Estado com a concessão das terras a CTNP.

         Investidores brasileiros adquiriam terras nas áreas a frente e adiante das terras da CTNP, como a área de Cornélio Procópio por Francisco da Cunha Junqueira em 1924 e a Fazenda Congonhas por Barbosa Ferraz no mesmo ano. Lugares centenários como serão as situações históricas que a partir desse ano serão relembradas, ditadas pelo avanço da ferrovia em direção ao Rio Tibagi e sertão do Ivai. Cambará teve sua estação férrea entregue em 1925, Cornélio Procópio em dezembro de 1930. Em 1935 a Ponte Ferroviária sobre o Rio Tibagi foi entregue ao tráfego.

         A ocupação imobiliária do Norte do Paraná, as bases para Londrina e Maringá, a Ferrovia São Paulo até Assunção e Oceano Pacífico, (projeto atualmente em discussão). Marcos históricos de um Norte do Paraná agora Centenário.



sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Italianos no Norte do Paraná

 Texto produzido para e publicado pelo Jornal "Folha de Londrina" em 13 de setembro de 2024.


Italianos no Norte do Paraná

Roberto Bondarik
Professor Titular da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Cornélio Procópio

 

 

Uma exposição em Londrina, no SESC-Cadeião celebra os 150 anos da imigração italiana no Brasil, conforme esta Folha noticiou (29/08/2024). Objetos do cotidiano sendo alguns oriundi, outros adaptados de nossa realidade, todos chamam a atenção por serem comuns a todos nós, descendentes ou não mas tão assimilados à cultura italiana que imaginamos a macarronada, a lasanha, o nhoque, o frango refogado de cada domingo como autenticamente brasileiros. Aos 386 italianos de origem trentina e veneta, que desembarcaram, em 21 de fevereiro de 1874, do Paquete “La Sofia” no porto de Vitória-ES e que, em troca da derrubada de jacarandás para exportação, receberam terras para morar e produzir, seguiram-se alguns outros milhares. Estima-se que bem mais de 20 milhões de brasileiros, apenas no Estado de São Paulo sejam descendentes de imigrantes italianos.

O primeiro registro de imigrantes italianos no Norte Pioneiro do Paraná deu-se em Jacarezinho e em Ribeirão Claro, alguns nomes de ruas e atuais moradores atestam isso. Eram artífices, alfaiates, carpinteiros, pedreiros, comerciantes e agricultores familiares. Outros vieram como colonos, empregados nas fazendas de café que se expandiam pelo Norte e pelo Norte Novo seguindo a Ferrovia São Paulo – Paraná, aquela cujo objetivo era ligar Santos até Assunção e depois ao Oceano Pacífico.

Ma non tutto era roseo, non tutti erano brave persone”! Ao contrario da imigração italiana promovida para a região de Curitiba, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro não tinham por objetivo estabelecer núcleos coloniais com pequenas propriedades para pratica da agricultura familiar. Os Estados do Sudeste precisavam de mão-de-obra para suprir as necessidades da cafeicultura em expansão e dentro da lógica do capital exportador, a escravidão dos africanos estava em vias de ser extinta como de fato foi. Aliás a grande causa de todas as mazelas sociais, econômicas e politicas que temos contemporaneamente no Brasil decorrem do longo tempo da escravidão e da demora relutante da monarquia brasileira em extingui-la. A Lei de Terras de 1850 estabeleceu que o acesso a propriedade rural no País se daria por compra direta do Estado ou por transferência entre particulares. A declaração de posse das terras devolutas seria permitido ainda até 1855.

Ninguém abandona sua terra, suas raízes sua cultura, emigrando para além-mar se vivesse no conforto e na fartura. A Itália do século XIX era dividida e politicamente instável, havia guerra civil, fome, pobreza e miséria. Ao imigrante italiano a proposta de melhorar de vida trabalhando nos cafezais brasileiros era um alento diante das mazelas do cotidiano do seu tempo e espaço. O Governo da Província e, depois do Estado de São Paulo, subvencionava sociedades e associações que promoviam a vinda de italianos que trabalhariam com colonos nas fazendas, pagariam sua passagens financiadas junto com seus gastos cotidianos durante alguns anos. Com trabalho pesado e uma economia de gastos rígida muitos desses colonos puderam se tornar proprietários de terras no Norte Pioneiro e, principalmente no Norte Novo de Londrina e Maringá na primeira metade do século XX.

Houveram casos múltiplos de exploração desses colonos, situações que geraram revoltas em muitas fazendas paulista e, pelo menos um no Norte Pioneiro e que foi muito bem documentado. Em 1923, na Companhia Agrícola Barboza, em Cambará, um grupo de 23 famílias italianas se revoltaram contra a administração da fazenda alegando que haviam sido enganados quanto aos contratos que diziam que eles iriam trabalhar em fazendas paulistas desse grupo, não possuíam liberdade de circulação, recebiam metade do combinado, as condições acordadas eram inferiores ou inexistentes e, o pior não podiam confraternizar e tomar vinho cantando suas canções prediletas como a da “Battaglia del Piave”. Eles, todos os homens, eram veteranos no Exército Italiano que batera os austríacos em 1918.. Ao tentar abandonar a fazenda, três colonos tiveram suas famílias detidas pela segurança e administração, os chefes de família fugiram e foram ao consulado da Itália em São Paulo. Os demais italianos tomaram o controle da colônia da fazenda até que o impasse fosse resolvido e todos os italianos libertados pelas autoridades.

Os italianos ajudaram a moldar o perfil atual do brasileiro, na musica, na religiosidade, no compartilhamento familiar. Hoje somos todos boa gente, ou deveríamos nos esforçar mais para sermos!



terça-feira, 19 de setembro de 2023

O Centenário da Estação Quatiguá no Ramal Ferroviário do Paranapanema (1923-2023)

 Produzi este texto a pedido do JR Diário, versa sobre os cem anos de inauguração da Estação Ferroviária de Quatiguá, ocorrido em 13 de Maio de 2023.

Matéria disponivel no site do JR Diário, no seguinte endereço eletrônico : < https://www.jrdiario.com.br/ver_noticia.php?id=57417 >

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O Centenário da Estação Quatiguá no Ramal Ferroviário do Paranapanema (1923-2023)

Prof. Roberto Bondarik - Doutor

Docente e Pesquisador da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Cornélio Procópio


A fotografia, datada de janeiro de 1923, está um tanto que desgastada devido aos seus cem anos de existência, mas permite identificar a estrutura da estação Quatiguá sendo construida logo atrás do grupo de pessoas que posaram alinhadas sobre uma prancha de carga ferroviária, a reboque de uma locomotiva. Chama a atenção o grande número de crianças presentes, talvez filhos dos operários que plantavam os trilhos do Ramal Ferroviário do Paranapanema que se estendia desde Jaguariaíva , cortando o incipiente Norte Pioneiro do Paraná. Ao fundo uma exuberante mata, com árvores frondosas no que seria depois de alguns anos a área urbana de Quatiguá. Com certeza é o mais antigo registro fotográfico conhecido da Estação e de Quatiguá.


Inaugurada oficialmente, com a presença de autoridades do Governo do Estado e da própria Ferrovia, em 13 de Maio de 1923, a Estação Quatiguá deu nome ao local onde, bem próximas haviam dois pequenos aglomerados de casas, Jaboticabal e Chapada, cada um como ponto de entrada nas terras das duas grandes fazendas ou glebas, homônimas, em franco processo de loteamento. Alavancada pela chegada do Ramal do Paranapanema, possibilitando o mais moderno e eficaz meio de transporte de cargas e pessoas daquele tempo, a venda de terras nessas glebas intensificou-se com a chegada de pioneiros vindos desde São Paulo, Minas Gerais, do Paraná Tradicional e mesmo estrangeiros recém chegados.


Página do Jornal Commercio do Paraná, noticiando a inauguração da Estação Quatiguá e publicando a Ata de Inauguração com todos os registros

O nome Quatiguá, dado a Estação Férrea, derivou da “Serra do Quatigual”, maior elevação próxima dali, logo acima da nascente do Ribeirão das Perobas ou Peroba. Do seu topo podem ser observados o Vale do Rio das Cinzas até o Pico Agudo e mais além, a bacia do Rio Jacarezinho também é visível até os contrafortes das Serras da Pedra Branca e da Figueira, lá no Joá com seu conjunto de três grandes elevações. Quatigual é denominação para o coletivo de “quatiguás”, fruto do quatiguazeiro, imagina-se que havia muito dessa planta por alí.

O local da Estação foi escolhido por ser uma grande área parcialmente plana e capaz de abrigar, além dela, o pátio de manobras, a linha secundário, o troco virador de locomotivas, um armazém de boa capacidade, pocilgas e rampas de embarque de suínos oriundos das safras desenvolvidas em toda a região. Os serros, entre os quais se destacava o do Quatigual, obrigaram a ferrovia a ser construida com um longo aclive, uma inclinação que exigia das composições que estas fossem tracionadas por locomotivas mais potentes que as usuais, quando fosse necessário. As “marias-fumaça” mais fortes ficavam estacionadas em Quatiguá onde substituíam as máquinas menores que comumente faziam o trecho até Melo Peixoto e Ourinhos, já no Estado de São Paulo.

Desde pelo menos o ano de 1903 constava que havia ocupação e colonização de sua área urbana, segundo registros, naquele ano João Ferreira de Paiva ali se estabeleceu, provavelmente motivado pela abertura da estrada carroçável ligando Jacarezinho até Colônia Mineira. Com cerca de 82 quilometros, a estrada seguia mais ou menos o traçado da ferrovia construida 20 anos depois, desviando da atual Joaquim Távora, seguindo pela atual divisa daquele município com Quatiguá, seguia pela Vila Rural, Colônia Varsóvia até o sopé da Serra da Pedra Branca. Chamada de “Estrada Nova”, foi aberta a mando do Governo do Estado do Paraná, construida pelo engenheiro italiano Carlos Boromei, dai o nome que também recebeu, “Estrada do Boromei”, denominou também algumas da regiões por onde passava, como o “Quarenta” em Joaquim Távora e, “Vinte e Cinco” em Quatiguá, respectivamente nos quilometros 40 e 25 da estrada, contados a partir da cidade de Siqueira Campos. A chegada da Ferrovia Sorocabana em Ourinhos, a falta de manutenção, o vigor do crescimento da vegetação, longos trechos sem fontes de água, a falta de habitantes e o sertão inóspito levaram ao abandono dessa estrada, como um meio de comunicação perene, em favor da “Estrada Velha”, aberta no século XIX, ligando Tomazina, Sapé, Barra Grande ou Barra Velha, Santo Antonio da Platina até Jacarezinho.

Somente com o estabelecimento da Ferrovia em 1923, que a ocupação ganharia maior força e vigor no que viria a ser Quatiguá. A estação iria fomentar o crescimento populacional, o desbravamento do sertão e a produção agrícola e pecuária com vistas ao mercado consumidor dos grandes centros. Produzia-se suínos pelo sistema de safras, plantava-se tabaco, algodão, café, batata e gêneros de subsistência.

O Ramal do Paranapanema, começou a tomar forma a com a edição em 07 de março de 1901, do Decreto nº 3.947, pelo Governo Federal. O documento autorizou a ligação ferroviária entre as estradas de ferro “São Paulo - Rio Grande” e “Sorocabana”, esta via se estenderia de Jaguariaíva, no Paraná, até Salto Grande, em São Paulo, passando por Jacarezinho e cortando o Norte Pioneiro. A construção do Ramal foi iniciada em 1912, partindo de Jaguariaíva e levaria 18 anos até atingir Jacarezinho em 1930 e mais algum tempo até chegar a Melo Peixoto. Houve falta de empenho do Governo Federal em concluir a construção ou mesmo em pressionar a Companhia dona da Ferrovia para o seu término. A eclosão da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), provocou a falta de trilhos, material rodante e equipamentos, materiais de construção, explosivos para a detonação de rochas no leito da estrada em construção, etc. Essa carência de produtos importados, iria predominar pelo menos até 1920, quando houve a normalização do abastecimento. As obras foram executadas pela “Companhia Brasileira Industrial e Construtora”. Mesmo com os problemas verificados os trilhos chegaram a Calógeras em 1918 e, a Wenceslau Braz no ano seguinte. Em 1919 o Ramal atingiu Barbosas e Colônia Mineira que deveria ter sido, não fosse o projeto original alterado, a estação final do trajeto construido. Em 1922 teve inicio a construção do Ramal do Rio do Peixe ligando Wenceslau Braz até Ibaiti e Figueira.

Em 13 de maio de 1923, um domingo, foi inaugurada a Estação Quatiguá e o trecho entre ela e a de Colônia Mineira (Siqueira Campos). Diversas autoridades federais da área de transportes, do Governo do Estado do Paraná, engenheiros, administradores da Ferrovia São Paulo - Rio Grande e, também o Reitor da Universidade do Paraná Victor do Amaral, em sua maioria vindos desde Curitiba em um trem especial.


Inauguração da Estação Ferroviária em 13 de maio de 1923


O povoado herdou o nome da Estação e cresceu no seu entorno e do grande terreno retangular pertencente à Ferrovia, com o seu arruamento traçado a partir dele. Já em 1923 foi instalada uma escola primária “mixta”, conforme os termos da época, para atender meninos e meninas. Romário Martins, historiador paranaense de destaque, passou por Quatiguá em 1924 e registrou o funcionamento de um hotel familiar, deixou também um jocoso comentário de que o povoado, se tivesse algum progresso, ele iria levar muito tempo.

Em 1930 a Estação Quatiguá foi disputada por revolucionários, vindos do Rio Grande do Sul, e tropas paulistas, da Força Pública ou Policia Militar em sua maioria. Um combate travado em dois dias, 12 e 13 de outubro daquele ano, que contou com uso de artilharia com oito canhões, muitas metralhadoras pesadas, inclusive com duas delas instaladas em uma plataforma construida no telhado da Estação. Os gaúchos venceram a batalha, ganharam a guerra, derrubaram o Presidente da República e alçaram Getúlio Vargas ao poder por mais de 15 anos.

A ferrovia sempre necessitou de pessoal qualificado e especializado para as suas múltiplas funções, quer fossem administrativas ou diretamente operacionais. De uma forma geral, naqueles povoados incipientes e que se tornariam cidades, sedes de municípios e de comarcas, a elite intelectual e educada destes locais era formada pelo professor regente da escola primária, o farmacêutico que muitas vezes atuava como medico, o dentista prático, logicamente o padre quando o havia, o tenente do Regimento de Segurança e, indelevelmente, os funcionários lotados na Estação Férrea e o seu Chefe, o mais qualificado de todos. O pessoal ferroviário englobava desde o Chefe da Estação, o telegrafista, eletricistas, ferreiros, soldadores, mecânicos, eletricistas, operários, maquinistas, foguistas, guarda-chaves, sinaleiros, manobristas, ensacadores, etc. O primeiro prefeito de Quatiguá, Orlando Athayde Bittencourt, consta ter sido ferroviário.

A “Ferrovia São Paulo - Rio Grande” operou o Ramal do Paranapanema até o ano de 1942 quando foi substituída pela “Rede de Viação Paraná - Santa Catarina” que, em 1957 foi emcampada pela “Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima”. Essa Companhia desde a sua criação deixava claro que seu objetivo era o transporte de cargas e não de passageiros, desta forma a Estação Quatiguá deixou de operar com passageiros no ano de 1979. A Rede Ferroviária Federal teve as suas funções assumidas, em 1997, pela empresa América Latina Logistica (ALL). Em 2001 a ALL suspendeu o tráfego de comboios de carga pelo Ramal do Paranapanema, já praticamente descaracterizado e abandonado, quase sem edificações.

A Estação Férrea de Quatiguá foi demolida no ano de 1985, operários da Prefeitura do Município foram incumbidos disso, muitas das suas tábuas foram usadas usadas para fazer as caixas e formas para receber o concreto na construção da Estação Rodoviária da cidade. O armazem da Ferrovia, edificado em alvenaria, foi demolido na década seguinte, nada mais dele restando. A rede elétrica e telegráfica que acompanhava a ferrovia, com postes feitos de trilhos, foi saqueada.

São cem anos de história em Quatiguá, lembrar e recorda-la é preciso!

sexta-feira, 27 de maio de 2022

Soluções tecnológicas para a agricultura brasileira em tempos de Guerra

 Soluções tecnológicas para a agricultura brasileira em tempos de Guerra

Roberto Bondarik

bondarik@utfpr.edu.br

Professor Titular da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Cornélio Procópio

 

            Os problemas decorrentes de uma guerra acabam acelerando o desenvolvimento tecnológico e a aplicação das suas soluções, com inovações e sua difusão. Uma longa lista enumera esses produtos, processos e sistemas que até são comuns em nosso cotidiano, entre eles: forno de micro-ondas; produção em massa de antibióticos; computadores e internet; o café solúvel, difundido durante a Guerra Civil norte-americana; a margarina que substituiu a manteiga; o serviço de ambulâncias, surgido na Espanha em 1487, inspirando sistemas como o SAMU; etc. A recente guerra na Ucrânia, decorrente da sua invasão pela Rússia, fez aflorar a busca por soluções tecnológicas para os problemas que dela advém, inclusive para o Brasil.

            Aquela região do Leste Europeu fornece produtos importantes para o nosso País, em destaque os componentes para os fertilizantes utilizados pela agricultura (nitrogênio, fósforo e potássio), e o trigo essencial para o pão nosso de cada dia. Projetos para identificação e exploração das jazidas de potássio voltaram a ser discutidos, quanto aos outros dois componentes principais dos fertilizantes industriais, a solução está vindo dos tubos de ensaio, microscópios, das observações, dos insights e dedicação de pesquisadores brasileiros, em especial da Embrapa.

            Londrina possui um centro de pesquisas da Embrapa, dedicado ao estudo da soja, onde trabalha a Drª Mariângela Hungria, listada entre cem maiores pesquisadores do mundo conforme noticiado pela Folha de Londrina, em 07 de Maio de 2021,  e que publicou uma entrevista com ela. Mariângela Hungria desenvolveu um estudo com bactérias que auxiliam e aumentam a fixação de nitrogênio em plantas e no solo, resultando em um inoculante que utilizado promove a redução dos custos de produção. Esta solução já está sendo comercializada e passou a ser utilizada por inúmeros agricultores. A pesquisadora listou as dificuldades que encontrou para desenvolver o trabalho, desde o descaso até a falta de investimentos governamentais, essenciais, porque as pesquisas longas, não atraem o interesse da iniciativa privada.

A solução para o fósforo demorou vinte anos. Boa parte do fósforo não absorvida pelas plantas, permanecendo inerte no solo, um valor estimado em 2019, em cerca de 40 bilhões de dólares, algo como 200 bilhões de reais. Coube à Embrapa Milho e Sorgo desenvolver uma solução com base no uso de duas bactérias, uma que libera o fósforo do solo e outra que permite a sua absorção e utilização pelas plantas. O inoculante resultante do trabalho, que está sendo comercializado, após duas décadas, comprova a necessidade de investimentos governamentais em pesquisa na área. Se a produção agrícola é essencial para economia brasileira, os investimentos em pesquisa no setor deveriam ser considerados estratégicos e tratados como tal pelo governo e pela sociedade. Importar tecnologia pronta tem se mostrado mais cara e menos eficaz do que se imagina.

Por fim, a falta do trigo ucraniano fez despertar o interesse de produtores por variedades deste cereal adaptadas ao clima mais quente que o Sul do Brasil, área do seu maior cultivo. Novamente a Embrapa Trigo, do Rio Grande do Sul, desenvolveu cultivares de trigo para o cerrado brasileiro e que agora, em virtude da guerra, ganham relevância econômica, podendo o Brasil passar a produzir boa parte do que consome e substituir as importações hoje encarecidas.

Infelizmente a guerra pode mostrar o trabalho hercúleo que pesquisadores, sem verbas e recursos, desenvolveram com seus trabalhos. É muito gratificante termos no Norte do Paraná cientistas como Mariângela Hungria e centros como a Embrapa que demonstram a importância da ciência e da formação de cientistas para o desenvolvimento de nossa sociedade.

quinta-feira, 26 de maio de 2022

Invasão russa da Ucrânia, a Primeira Guerra Mundial Conectada

Texto a respeito da Guerra na Ucrânia, decorrente da invasão daquele país pela Federação Russa (Rússia), em especial as suas relações com Rede Mundial de Computadores (Internet).

O artigo foi publicado no jornal "Folha de Londrina" em em sua edição relativa aos dias 07 e 08 de Maio de 2022, a imagem da publicação está disponível ao final da página.

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Invasão russa da Ucrânia, a Primeira Guerra Mundial Conectada

Roberto Bondarik

bondarik@outlook.com

Professor Titular da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Cornélio Procópio

 

            Em 24 de fevereiro, quando a Rússia atacou a Ucrânia, iniciou-se o mais grave conflito bélico na Europa desde que a Alemanha nazista invadiu a Polônia em 1939, passando pelas guerras balcânicas da década de 1990. O conflito atual se apresenta como uma Guerra Mundial Conectada (Word War Wired), onde a luta é localizada mas o seu acompanhamento, repercussão e consequências tem sido mundiais.

A internet permite que se acompanhe em tempo real, ataques, enfrentamentos, fugas, situações de desespero e demais ações da guerra, um conteúdo produzido por combatentes ou moradores das áreas do conflito. Como um reflexo de nosso tempo de extrema interação nas mídias sociais, muita informação descontextualizada ou mentirosa, também tem sido distribuída e compartilhada.

            A guerra começou antes do avanço das tropas, quando os serviços públicos ucranianos, seus sistemas de comunicação, bancário, de energia etc., sofreram ataques cibernéticos que afetaram o seu funcionamento, tornando-os lentos ou desligando-os. O uso da Tecnologia da Informação não é novidade ali naquela região, hackers russos, sejam civis ou militares, foram acusados de intervenção em diversos momentos como a eleição de Donald Trump nos EUA, o plebiscito do Brexit, que resultou na retirada da Grã-Bretanha da União Europeia. Os ucranianos fornecem serviços paras Big Techs do Vale do Silício e pelo menos para cem, das quinhentas maiores empresas mundiais listadas pela revista Fortune. Estima-se em mais de duzentos mil os ucranianos, altamente qualificados, que trabalham no setor de T.I. internacional, um serviço que, aliás, deve estar sofrendo os efeitos da guerra.

            No início, o serviço de mapas do Google apontou, nas estradas ucranianas, onde ocorriam congestionamentos provocados pelos tanques e comboios russos, fornecendo importantes informações para aqueles que os precisassem evitar e para os outros que desejavam combatê-los. O uso dos diversos recursos dessa empresa devem de fato ter tido efeitos práticos nos combates porque, pressionada, ela chegou a anunciar que limitaria o seu na Ucrânia, a Rússia também ameaçou impedir o acesso ao Google em seu território acusando-o de permitir a divulgação de fatos e dados distorcidos sobre a sua atuação no conflito. Porém os mapas do Google atualizados e outras imagens obtidas por meio de satélites comerciais, permitiram que segredos militares russos, envolvendo a movimentação das suas tropas fossem revelados e utilizados pelos ucranianos.

            A guerra tem sido acompanhada e combatida literalmente na palma da mão, os smartphones são a mais prática conexão de uma pessoa com a internet. Os ucranianos têm feito uso do reconhecimento fácil dos soldados russos mortos ou capturados, o que lhes permite identificar quem são, acessar suas redes sociais, seus dados pessoais e, principalmente localizar suas mães para enviar-lhes imagens dos seus filhos e da sua situação. Divulgaram-se também vídeos curtos de mães russas lamentando a morte de seus filhos paraquedistas em combate. A veracidade daquilo que é mostrado nas redes como acontecimentos da guerra, tem sido demostrada ou desmentida pela ação de internautas que, como espiões mesmo que amadores, tem divulgado o resultado de suas descobertas, análises e conclusões por meio especialmente do Twitter. O acesso à internet nos locais onde a infraestrutura de comunicação foi destruída, teve uma ajuda substancial da empresa Star Link, de Elon Musk, que enviou equipamentos que permitem a conexão direta com sua rede de satélites.

Se a internet não consegue ainda acabar com a guerra, permite ao menos acompanhar seu desenrolar, construindo e descontruindo narrativas. Que a tecnologia permita reconstruir e manter uma convivência pacífica entre os povos e suas nações.






 

sábado, 21 de maio de 2022

Just in Time Global, a arrumação econômica da Covid-19

 Texto a respeito das consequências da Covid-19, em especial aquelas que afetam as cadeias de suprimento (componentes) para a indústria em diversos países.

O artigo foi publicado no jornal "Folha de Londrina" em 27 de Abril de 2022, a imagem da publicação está disponível ao final da página.

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Just in Time Global, a arrumação econômica da Covid-19

Roberto Bondarik

bondarik@utfpr.edu.br 

bondarik@outlook.com

Professor Titular da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Cornélio Procópio

 

            O sistema Toyota de produção, pensado por Taiichi Ohno, na década de 1950, a partir de observações nos supermercados norte-americanos, onde os clientes levavam consigo uma lista com os itens e quantidades que necessitavam comprar, particularidade que fez surgir na mente de Ohno o princípio do kanban, essência do just in time, em que a indústria solicitava a entrega de componentes aos seus fornecedores apenas quando eles seriam utilizados na produção, eliminando grandes estoques, capitais e mão de obra para a sua formação e manuseio. A difusão desta filosofia de produção contribuiu com a redução dos custos, com a produtividade, maior variedade de produtos, menores preços e maior consumo.

            O processo de globalização econômica, da década de 1990, expandiu as cadeias de fornecedores em escala mundial. As facilidades nos transportes aéreo e marítimo, rápido manuseio e desembaraço de cargas, tornaram o just in time planetário. Os baixos custos, as grandes escalas e volumes de produção constante melhoria na qualidade e na evolução tecnológica das suas fábricas, tornaram a China o fornecedor por excelência da indústria mundial. A dependência de componentes chineses cresceu exponencialmente neste século, com indústrias tradicionais se estabelecendo naquele país, baixando custos, ampliando a dependência dos mercados produtivo e consumidor mundial em relação ao que acontece com e na China. O just in time globalizou-se e passou a falar mandarim, mesmo se comunicando em inglês. A pandemia de Covid-19 colocou tudo isso em xeque.

            Não se sabe ao certo ainda que animal contaminou os primeiros doentes que desenvolveram a Covid-19, os primeiros casos foram confirmados em dezembro de 2020, em um mercado de alimentos em Wuhan, capital da província chinesa de Hubei, A cidade, com 11 milhões de habitantes, às margens do rio Yangtzé e do eixo ferroviário Pequim-Hong Kong, é um centro da indústria automotiva, com forte presença mundial, também é importante polo de pesquisa, desenvolvimento e fabricação de veículos elétricos. Colocada em lockdown em 23 de janeiro de 2020, teve bloqueio de rodovias, suspensão de trens e de voos. Em poucos dias outras cidades e províncias também foram fechadas, atingindo bem mais de 54 por cento do produto interno bruto da china. Portos foram fechados, fábricas paralisadas e o transporte bloqueado. Antes que a Covid-19 se espalhasse pelo mundo, o just in time globalizado foi vitimado com a com a falta de suprimentos e componentes para a produção industrial.

            O desenvolvimento de vacinas e sua aplicação na população mundial, fizeram os números de mortes e de casos graves reduzirem ao ponto de ensaiar-se uma retomada da produção industrial em escala global, inclusive na China que manteve uma política sanitária rígida. Novos problemas surgiram e prejudicaram o just in time global, faltaram contêineres e navios de carga solta foram usados, dificultando o rápido manuseio das cargas, atrasando cronogramas. Novos surtos recentes da doença na China levaram a novos lockdowns, principalmente em Xangai, isolando cidades e fábricas que, mesmo mantendo seus operários isolados, se viram sem motoristas de caminhão, operadores de carga em portos etc. A falta de componentes que provoca o fechamento de fábricas, mesmo no Brasil, até que ocorra uma normalidade no fornecimento ou que se encontrem, localmente novos fornecedores, uma tendencia forte.

            A pandemia de Covid-19, está provocando uma reordenação das cadeias produtivas mundiais, com reflexos na retomada da produção em nível nacional, com vantagens locais. Pode ser que emerja uma nova economia, que nos beneficie mais, com novos arranjos produtivos, desse caos e medo ao qual sobrevivemos após mais de dois anos.


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terça-feira, 3 de agosto de 2021

A Copa América no Brasil da Pandemia

 Artigo produzido em 02 de julho de 2021.

A Copa América no Brasil da Pandemia


Prof. Roberto Bondarik, Dr.
bondarik@outlook.com 
Professor Titular da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Cornélio Procópio

 

            Anunciada de surpresa, a Copa América a ser disputada no Brasil, suscita ponderações sobre eventos esportivos internacionais no Brasil. Em tempos normais, dado os números de público, publicidade e valores sobre seus direitos de transmissão, pode ser classificada como um megaevento esportivo. Ao que pese serem organizados por entidades privadas, como FIFA e seus associados, o COI, faz-se necessário o apoio de Estados organizados afim de garantir a realização de um megaevento esportivo. Segurança para delegações, equipes e visitantes, o acesso a meios de comunicação, transporte eficaz, proteção legal aos contratos e as marcas dos parceiros comerciais associados aos organizadores, são ações essenciais que somente podem ser oferecidas por um Estado e seu sistema legal.

            Se aos organizadores, patrocinadores, televisões e outros meios de transmissão, objetiva um retorno financeiro da sua participação em uma megaevento esportivo, fator que atrai também as equipes que disputam troféus, medalhas, prêmios e remunerações, também os Governos buscam um retorno que justifique sua participação. São inúmeros os benefícios ou legados materiais e simbólicos que podem decorrer de um megaevento.

Como legado material podemos elencar os investimentos em infraestrutura de transporte, comunicação e energia, equipamentos esportivos, mobilidade urbana e, novos aparelhos e roteiros turísticos. O legado simbólico ou intangível aufere-se da visibilidade internacional que os países-sede dessas competições conseguem obter, mostrando sua capacidade de organização, condução, economia ou realizações políticas e sociais: em 1964 o Japão mostrou, com a organização dos Jogos Olímpicos de Verão, os efeitos de seu soerguimento e superação da destruição impingida pela Segunda Guerra Mundial; igualmente ocorreu com a Alemanha em 1972 com as Olímpiadas e, em 1974 com a Copa do Mundo FIFA; em 2006, com a Copa do Mundo a Alemanha mostrou como estava perfeitamente integrada após o processo de reunificação de sua parte Ocidental com a Oriental; em 2010, a África do Sul, apresentou-se ao mundo como uma nação que havia se conciliado racialmente e superado o regime do Apartheid e; o Brasil que, com uma serie de megaeventos esportivos desejava mostrar-se democraticamente organizado, economicamente desenvolvido, moderno, capaz e confiável para receber investimentos internacionais e capaz de produzir legados materiais.

            O Brasil teve, em um período de uma década, cerca de seis megaeventos esportivos, quase todos sediados no Rio de Janeiro: Jogos Pan-Americanos em 2007; Jogos Mundiais Militares em 2011; Copa das Confederações em 2013; Copa do Mundo FIFA em 2014; Olímpiadas e Paraolimpíadas em 2016. O legado desses jogos todos foi pífio, a exemplo do que pode ser auferido a respeito da Copa do Mundo de 2014, mesmo após uma preparação de aproximadamente oito anos. Destaque-se que a escolha de um pais ou cidade-sede é fruto de um longo processo de escolha onde diversos candidatos são testados quanto as suas capacidades econômicas, culturais e políticas de cada um.

            O anuncio intempestivo da Copa América no Brasil frustra, em larga escala, todo o processo de sua organização como megaevento : a ausência de torcida, aliada a limitação das viagens internacionais, impede a atração de turistas e consequentemente dos seus gastos; a ausência de planejamento e antecedência, pode não dar o retorno financeiro imaginado pelos patrocinadores, detentores de marcas vinculas à competição e mesmo aos detentores dos direitos de transmissão; as cidades, governos estaduais e federal, apesar da sua colaboração com segurança, eventuais garantias legais aos organizadores, não poderão colher legados dos seus investimentos. O legado intangível, em virtude dos números da Covid-19 no Brasil, pode transmitir uma imagem de irresponsabilidade dos governantes e organizadores, mesmo ocorrendo competições assemelhadas no País e no Continente.

            Os megaeventos esportivos são momentos e espaços de congraçamento entre povos e nações, de celebração da organização e da capacidade de um povo ou nação. Perguntamos assim: qual será o legado simbólico e material da realização de uma Copa América, na atual conjuntura de pandemia, no Brasil? Há o que celebrar?

domingo, 28 de junho de 2020

Expedicionário Eurides Fernandes do Nascimento - Soldado do Exercito Brasileiro, natural de Quatiguá-Pr

Hoje fico contente de duas formas que na verdade são uma apenas, como historiador do Paraná e como quatiguaense. A memória de um quatiguaense já famoso de nome e sobre quem já falei aqui no bolg anteriormente, foi em partes resgatada com muito carinho zelo e profissionalismo que eu desejo compartilhar.

A historiadora Isabelle Muraro, com dedicação profissional e afinco, procurou na história de sua familia os dados e as lembranças de seu tio-avô Eurides Fernandes do Nascimento e com carinho carinho entrevistou, gravou e editou um importante depoimento da única irmã viva que ele ainda possui.

Eurides pertenceu ao 6º Regimento de Infantaria de Caçapava, incorporado a Divisão da Força Expedicionária Brasileira e ao Quinto exercito Norte-Americano. Pereceu em combate em 09 de novembro de 1944, com certeza sob o bombardeio do exercito Alemão diante de Torre de Nerone na Itália.

Assistam portanto a mais essa recuperação da memória histórica de Quatiguá, neste pedaço do Norte Pioneiro do Paraná.

"Por mais terras que eu percorra ..."

Expedicionário Sd. Eurides Fernandes do Nascimento: memórias e acervo documental


terça-feira, 23 de junho de 2020

Como os EUA ajudaram a desenvolver a Blitzkrieg alemã

Entendemos tecnologia como um pacote de informações obtido das mais diferentes formas, maneiras e condições. A Alemanha, quando iniciou a Segunda Guerra Mundial, invadindo a Polônia e depois a França de forma muito rápida, fez o Mundo conhecer a sua tática da Britzkrieg ou "Guerra Relampago". Avançava rapidamente lançando mão de blindados, veiculos de transporte, bombardeio aéreo, lançamento de paraquedistas, mobilização da produção industrial para a guerra, etc. 
A capacidade alemã, apesar da truculência e do horror nazistas, foi admirada e considerada origeinal. Os norte-americanos logo viram que aquilo que os militares alemães conceberam nada mais era do a sua propria tecnologia copiada, adaptada e assimiliada.
Este artigo publicado na "Reader's Digest" de agosto de 1940 explicita bem isso:

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The Reader’s Digest – August 1940 – Volume 37, nº 220, p.117.

Como os EUA ajudaram a desenvolver a Blitzkrieg alemã

Condensado de “The United States News”
(Tradução e adaptação Prof. Roberto Bondarik, Dr.)

            O gênio criativo norte-americano contribuiu significativamente para o sucesso da blitzkrieg (guerra-relâmpago) alemã. Os Departamentos de Guerra e da Marinha dos Estados Unidos da América relutam em admitir que desdenharam e deixaram enterrados em seus arquivos armas e conceitos de guerra que foram considerados valiosos pela Alemanha. O registro disso já é suficiente para falar por si.

            O conceito da organização da blitzkrieg é uma adaptação moderna das táticas de utilizadas pela cavalaria confederada durante a Guerra Civil norte-americana (1861-1865). A ideia de substituir o uso de cavalos por divisões mecanizadas e aviões também é norte-americana.

            Em abril de 1930, o Major-General J.K. Parsons, então no posto de coronel, enviou um relatório ao Departamento de Guerra recomendando que o Exercito dos Estados Unidos da América fosse organizado em seis divisões mecanizadas com 486 tanques cada uma. O relatório foi anotado e o Exercito dos EUA possui apenas uma brigada mecanizada. As divisões Panzer da Alemanha, devastadoras, seguem o plano de Parsons, mesmo nos mais mínimos detalhes organizacionais e administrativos.

            O General de Brigada William Mitchell foi um dos primeiros estrategistas militares a perceber o uso do avião em uma guerra. Ele foi submetido a julgamento por uma corte marcial e não viveu o suficiente para poder ver as forças militares alemãs seguirem os seus conselhos e usarem a aviação como uma poderosa força ofensiva.

            Foram os norte-americanos quem, em 1918, começaram a fazer uso de blindagem para proteger os pilotos nos aviões, seus artilheiros, observadores e os tanques de combustivel. Os alemães, em 1939, aperfeiçoaram tanto essa tecnica que deixaram os Aliados impressionados, deixando todos os aviões de combate dos EUA obsoletos e ultrapassados.

            A mobilização industrial, é o terceiro elemento importante na estratégia alemã. Também ela foi modelada a partir de um Plano do Departamento de Guerra dos EUA, que foi observado e estudado por militares alemães em visita ao país há vários anos.

            O uso de tropas paraquedistas foi criado, inicialmente, vez pelo Exercito dos EUA. O Sargento-Mestre E.H. Nichols, do Corpo Aéreo, desenvolveu a tecnica para lançar soldados paraquedistas, armas, munições e suprimentos por meio de um avião de transportes. Em uma demonstração em Brooks Field, Texas, tres soldados saltaram de um avião e em 20 segundos depois de atingirem o solo, começaram a disparar as tres metralhadoras lançadas junto com eles.

            O tanque (veiculo de combate blindado) era uma invenção britânica, mas a novidade das altas velocidades desenvolvidas pelos blindados alemães só foi possivel graças as esteiras (lagartas) de Christy. Esta invenção de um norte-americano, teria sido supostamente recusada por Washington.

            Cópias de patentes de produtos e processos norte-americanos até o presente momento foram facilmente obtidas por qualquer um, individuo ou potencia estrangeira, em nosso Escritório de Patentes. Apenas em tempo e de guerra e, somente por proclamação presidencial, as patentes podem ser mantidas em segredo. Mas agora, finalmente estamos mudando a lei, para que patentes que auxiliem à defesa nacional sejam retidas e mantidas em segredo quando da sua publicação.

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Imagem do artigo original: