domingo, 15 de setembro de 2024

2024: Centenários do Brasil e do Norte do Paraná

Texto produzido para e publicado pelo Jornal "Folha de Londrina" em 27 de Julho de 2024.


2024: Centenários do Brasil e do Norte do Paraná

 Prof.Dr. Roberto Bondarik

bondarik@utfpr.edu.br

Docente e Pesquisador da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Cornélio Procópio

Coordenador adjunto do Laboratório de História da UTFPR


         A consciência histórica é a consciência da mudança, da transformação que se materializa no progresso e as vezes no retrocesso. A ideia de que tudo muda com o tempo e que portanto possui história desenvolveu-se a partir do Renascimento e consolidou-se com a Revolução Científica do século XVII. Percebemos as transformações por meio da observação dos ambientes, dos documentos e outras fontes. Os ultimos cem anos foram excepcionais no registro sonoro, visual e escrito da história do Brasil e em especial a do Norte do Estado do Paraná.

          Historicamente 2024 é um ano marcante: há exatos cem anos, neste mesmo mês de julho a cidade de São Paulo ardeu sob o fogo da artilharia e sob o bombardeio aéreo do Exercito Brasileiro que enfrentava os "Tenentes Rebeldes" em uma sua primeira ousadia: a Revolução de 1924, um motim estritamente militar ocorrido no Exercito e na Força Pública de São Paulo. Foi a primeira cidade brasileira, talvez do continente a sofres ataques aéreos sistemáticos. Os amotinados paulistas, que entre outras pautas pediam o fim das oligarquias, se deslocaram para o Oeste do Paraná, juntaram-se a outros vindos do Rio Grande do Sul e formaram a "Coluna Prestes - Miguel Costa" que cruzou o Brasil por anos. Mas essa é outra história que em breve trataremos.

             Outra reclamação dos rebeldes era a Missão Inglesa chefiada pelo Lord Montagu, que havia no primeiro semestre daquele ano, analisado as finanças públicas e as condições de investimentos no País. O relatório da Missão publicado em junho de 1924 foi considerado ofensivo a soberania nacional pelos militares que se amotinavam. Dela fez parte Lord Lovat, personagem marcante da presença britânica no Norte Novo do Paraná, que buscava produzir algodão no Brasil os mercados ingleses. Lovat esteve na Fazenda Agua do Bugre de Antonio Barbosa Ferraz Júnior, em Cambará e há cem anos, sobre uma mesa de bilhar ou de carteado no salão de jogos, examinou um mapa com as terras além do Rio Tibagi e a possibilidades da Ferrovia que deveria se estender de Ourinhos a Guaira, no Rio Paraná, atingindo Assunção no Paraguai. Os Britânicos formaram a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), adquiriam a preço simbólico a Ferrovia São Paulo - Paraná em 1928, projetaram um dos maiores projetos imobiliários da história do Brasil, dando origem ao Norte do Paraná como o conhecemos hoje, capitaneado por Londrina e Maringá, agora centenário.

         A ferrovia, meios de navegação a vapor, estradas de rodagem e núcleos urbanos de diversos tamanho eram exigência legal da União e do Estado do Paraná para autorizar a implantação de projetos de colonização àquele tempo. Não só o cultivo do café motivou a busca pelo Norte Novo, havia um mercado crescente de alimentos básicos decorrente do processo de industrialização e urbanização, verificados no Sudeste, já a partir da década de 1920. A construção da ferrovia foi paga pelo Governo do Estado com a concessão das terras a CTNP.

         Investidores brasileiros adquiriam terras nas áreas a frente e adiante das terras da CTNP, como a área de Cornélio Procópio por Francisco da Cunha Junqueira em 1924 e a Fazenda Congonhas por Barbosa Ferraz no mesmo ano. Lugares centenários como serão as situações históricas que a partir desse ano serão relembradas, ditadas pelo avanço da ferrovia em direção ao Rio Tibagi e sertão do Ivai. Cambará teve sua estação férrea entregue em 1925, Cornélio Procópio em dezembro de 1930. Em 1935 a Ponte Ferroviária sobre o Rio Tibagi foi entregue ao tráfego.

         A ocupação imobiliária do Norte do Paraná, as bases para Londrina e Maringá, a Ferrovia São Paulo até Assunção e Oceano Pacífico, (projeto atualmente em discussão). Marcos históricos de um Norte do Paraná agora Centenário.



sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Italianos no Norte do Paraná

 Texto produzido para e publicado pelo Jornal "Folha de Londrina" em 13 de setembro de 2024.


Italianos no Norte do Paraná

Roberto Bondarik
Professor Titular da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Cornélio Procópio

 

 

Uma exposição em Londrina, no SESC-Cadeião celebra os 150 anos da imigração italiana no Brasil, conforme esta Folha noticiou (29/08/2024). Objetos do cotidiano sendo alguns oriundi, outros adaptados de nossa realidade, todos chamam a atenção por serem comuns a todos nós, descendentes ou não mas tão assimilados à cultura italiana que imaginamos a macarronada, a lasanha, o nhoque, o frango refogado de cada domingo como autenticamente brasileiros. Aos 386 italianos de origem trentina e veneta, que desembarcaram, em 21 de fevereiro de 1874, do Paquete “La Sofia” no porto de Vitória-ES e que, em troca da derrubada de jacarandás para exportação, receberam terras para morar e produzir, seguiram-se alguns outros milhares. Estima-se que bem mais de 20 milhões de brasileiros, apenas no Estado de São Paulo sejam descendentes de imigrantes italianos.

O primeiro registro de imigrantes italianos no Norte Pioneiro do Paraná deu-se em Jacarezinho e em Ribeirão Claro, alguns nomes de ruas e atuais moradores atestam isso. Eram artífices, alfaiates, carpinteiros, pedreiros, comerciantes e agricultores familiares. Outros vieram como colonos, empregados nas fazendas de café que se expandiam pelo Norte e pelo Norte Novo seguindo a Ferrovia São Paulo – Paraná, aquela cujo objetivo era ligar Santos até Assunção e depois ao Oceano Pacífico.

Ma non tutto era roseo, non tutti erano brave persone”! Ao contrario da imigração italiana promovida para a região de Curitiba, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro não tinham por objetivo estabelecer núcleos coloniais com pequenas propriedades para pratica da agricultura familiar. Os Estados do Sudeste precisavam de mão-de-obra para suprir as necessidades da cafeicultura em expansão e dentro da lógica do capital exportador, a escravidão dos africanos estava em vias de ser extinta como de fato foi. Aliás a grande causa de todas as mazelas sociais, econômicas e politicas que temos contemporaneamente no Brasil decorrem do longo tempo da escravidão e da demora relutante da monarquia brasileira em extingui-la. A Lei de Terras de 1850 estabeleceu que o acesso a propriedade rural no País se daria por compra direta do Estado ou por transferência entre particulares. A declaração de posse das terras devolutas seria permitido ainda até 1855.

Ninguém abandona sua terra, suas raízes sua cultura, emigrando para além-mar se vivesse no conforto e na fartura. A Itália do século XIX era dividida e politicamente instável, havia guerra civil, fome, pobreza e miséria. Ao imigrante italiano a proposta de melhorar de vida trabalhando nos cafezais brasileiros era um alento diante das mazelas do cotidiano do seu tempo e espaço. O Governo da Província e, depois do Estado de São Paulo, subvencionava sociedades e associações que promoviam a vinda de italianos que trabalhariam com colonos nas fazendas, pagariam sua passagens financiadas junto com seus gastos cotidianos durante alguns anos. Com trabalho pesado e uma economia de gastos rígida muitos desses colonos puderam se tornar proprietários de terras no Norte Pioneiro e, principalmente no Norte Novo de Londrina e Maringá na primeira metade do século XX.

Houveram casos múltiplos de exploração desses colonos, situações que geraram revoltas em muitas fazendas paulista e, pelo menos um no Norte Pioneiro e que foi muito bem documentado. Em 1923, na Companhia Agrícola Barboza, em Cambará, um grupo de 23 famílias italianas se revoltaram contra a administração da fazenda alegando que haviam sido enganados quanto aos contratos que diziam que eles iriam trabalhar em fazendas paulistas desse grupo, não possuíam liberdade de circulação, recebiam metade do combinado, as condições acordadas eram inferiores ou inexistentes e, o pior não podiam confraternizar e tomar vinho cantando suas canções prediletas como a da “Battaglia del Piave”. Eles, todos os homens, eram veteranos no Exército Italiano que batera os austríacos em 1918.. Ao tentar abandonar a fazenda, três colonos tiveram suas famílias detidas pela segurança e administração, os chefes de família fugiram e foram ao consulado da Itália em São Paulo. Os demais italianos tomaram o controle da colônia da fazenda até que o impasse fosse resolvido e todos os italianos libertados pelas autoridades.

Os italianos ajudaram a moldar o perfil atual do brasileiro, na musica, na religiosidade, no compartilhamento familiar. Hoje somos todos boa gente, ou deveríamos nos esforçar mais para sermos!