quarta-feira, 11 de novembro de 2009

História no Fundo do Rio e no Fundo do Baú

Em 16 de Agosto a FOLHA DE LONDRINA publicou reportagem sobre o resgate de alguns barcos naufragados no Rio Paraná durante a ação tenentista no Oeste do Estado durante os anos de 1924 e 1925. Foi uma reportagem muito salutar e que me fez reler alguns documentos e livros sobre esse conjunto de acontecimentos tão poucos conhecidos e discutidos dentro da história da historiografia paranaense e também brasileira. Uma breve pesquisa que me obriga agora a tecer algumas considerações.
A denominação “Tenentes” era genérica, e por ela ficaram conhecidos os oficiais de baixa patente do Exercito e da Força Pública de São Paulo que se rebelaram contra o presidente da República Arthur Bernardes. Durante quase dez anos o Brasil foi agitado por revoltas e lutas em que os tenentes se envolveram, desde o episódio dos 18 do Forte de Copacabana em 1922, até a Revolução de 1930 e a Revolução Paulista de 1932.
A relação dos Tenentes com o Oeste do Paraná teve inicio após a sua retirada já como revolucionários e que se encontravam em luta contra as forças da Governo Federal em São Paulo durante o mês de Julho de 1924. Neste mês a capital paulista foi cenário de uma violenta guerra urbana, cargas de infantaria, duelos de artilharia, bombardeios aéreos que mataram civis e militares, como não poderia deixar de ser, um imenso numero de refugiados civis viram-se obrigados a fugir para Sorocaba e Campinas principalmente.
A Revolução de 1924 em São Paulo representa toda uma conjuntura de lutas que depõe contra a tradição de que nossa evolução histórica, em especial no século XX foi pacifica e cordata. Diante da oposição governista que estava levando à destruição eminente da cidade, o General Isidoro Dias Lopes, líder desta Revolução, resolveu movimentar as suas forças para o interior de São Paulo.
Os revolucionários se retiraram pelas ferrovias em direção ao Oeste Paulista e a Mato Grosso, mas fracassam na invasão daquele Estado e resolvem então descer o Rio Paraná até Guaira e Foz do Iguaçu, onde pretender instalar o seu “Estado Livre do Sul” e aguardar reforços de revolucionários gaúchos que seriam liderados por Luis Carlos Prestes. Assim foi feito e a Coluna Paulista da Revolução se estabeleceu na região.
Para garantir o avanço dos gaúchos que se viram obrigados à atravessar o Oeste Catarinense praticamente sem estradas e a pé pelo meio da mata fechada, os revolucionários da Coluna Paulista empreenderam vários combates. Posso afirmar que, ao contrario do relatado na reportagem, Joaquim Távora não participou dos combates de Catanduvas, na Serra de Medeiros, onde lutaram principalmente rebeldes da Força Pública de São Paulo contra as tropas do General Candido Rondon.
Na luta verificada em Catanduvas, destacou-se o tenente revolucionário, oficial da Força Pública de São Paulo, João Cabanas e neste local um memorial comemorativo esta para ser edificado. Joaquim Távora morreu em 19 de julho de 1924 e foi sepultado no Cemitério de Santana em São Paulo após ser ferido em combate de rua. Quem combateu no Oeste paranaense foi Juarez Távora, seu irmão, que conseguiu grande reputação como líder tenentista. É o próprio Juarez quem relata isso em suas memórias (“Juarez Távora: Uma Vida e Muitas Lutas” – Editora José Olympio). Joaquim Távora teve seu nome ligado definitivamente ao Paraná, quando atribuído a então localidade de Affonso Camargo, nome do então Presidente do Estado do Paraná em 1930 e que possuia nesta localidade uma serraria. Outro tenente revolucionário morto em 1930 teve seu nome ligado a mesma região, Siqueira Campos, líder dos “Dezoito do Forte de Copacabana” em 1922, batizando a antiga Colônia Mineira, hoje ambos são município vizinhos no Norte Pioneiro.
O combate em Catanduvas durou quase seis meses e precisou de todo o esforço do governo para derrotar os rebeldes, quando isso ocorreu dizia-se que a principal praça forte da Revolução havia caído. Domingos Meirelles relata isso em “As Noites das Grandes Fogueiras”. Prestes demorou três meses para chegar ao Paraná, a luta na região estava perdida já, porém os revolucionários não se consideravam derrotados. Retiram-se para o Paraguai e retornaram a Mato Grosso iniciando a Coluna Prestes-Miguel Costa que percorreu o Brasil lutando e divulgando a idéia da Revolução.
Curiosamente há a menção também sobre um Major Dilermando que não é outro senão Dilermando de Assis, quando cadete do Exercito ele teve um caso com a esposa de Euclides da Cunha, autor de “Os Sertões”. Quando o escritor foi tirar satisfações foi morto por Dilermando em um tiroteio, história fatídica contada em livro e na minissérie “Desejo”, da Rede Globo. A curiosidade sobre tal fato reside no centenário da morte de Euclides da Cunha, lembrado naquele final de semana em que a FOLHA apontou a atuação de Dilermando no Oeste do Paraná. Conforme Juarez Távora, este oficial foi obrigado a retirar-se de Guairá quando foi atacado por elementos da Coluna Revolucionária.
O Paraná sempre possuiu papel importante na história do Brasil, curiosamente um papel violento e pouco conhecido por sua população. Aos episódios de 1924-25 no Oeste do Paraná e em Catanduvas, soma-se ainda o Cerco da Lapa em 1894, a ocupação de Curitiba e Ponta Grossa pelos Federalistas, o assassínio covarde do Barão do Cerro Azul, primeiro paranaense agraciado com o título de herói nacional. Aliás foi o Barão o iniciador da moderna indústria paranaense.
Tivemos ainda a Guerra do Contestado, nosso Canudos particular. As ações da Revolução de 1930 merecem especial destaque pois se o Paraná não aderisse a mesma, a história do Brasil poderia ser outra diferente e mais sangrenta ainda. Em 1930 tivemos outros combates violentos em Quatiguá, Sengés e Vale da Ribeira.
Há muitas histórias ainda no fundo dos rios e dentro dos baús da memória para serem estudadas e contadas.